Dia#30 | Caminho Francês

Dia#30
Distância: 5km
Tempo de caminhada: 2 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 13° / Máx: 25°
Saída: Monte do Gozo
Chegada: Santiago de Compostela
Data: 06/10/2017
Palavra do Dia: Realização

Hoje acordei me sentindo super fraca. Quase não consegui dormir. Passei muito mal na noite anterior e durante toda a madrugada. Levantei lentamente. Minha pressão estava muito baixa. Coloquei minha roupa de caminhada. Arrumei minha mochila. Enchi minha garrafa de água. Sentei em um banco para colocar o tênis e comi uma barra de cerral que tinha na mochila. Foi a única coisa que consegui comer. Estava completamente sem apetite e ainda muito enjoada, mas precisava de energia. Minhas pernas estavam sem força. Minhas mãos, um pouco trêmulas. Não estava acreditando que justamente no último dia eu me sentiria assim. Fiquei com medo de não conseguir chegar. Mas depois de vencer todos os desafios pelos quais passei nesses 29 dias anteriores, criei forças e segui em frente. Sempre me imaginei chegando em Santiago cheia de energia e animada, mas a realidade estava sendo bem diferente. Andei devagar. Parecia uma tartaruga. Lenta. Enjoada. Pressão baixa. Cada quilômetro parecia uma eternidade. Parei pra comprar uma banana. Só tinha verde. Comprei mesmo assim. Tentei comer. Não desceu. Estava fraca. Andei mais um pouco e comprei um “Gatorade”. Me senti um pouco melhor. Fui recuperando a energia aos poucos. Sentei por meia hora pra descansar. Não me sentia 100%. Decidi caminhar assim mesmo. Uma hora o mal estar tinha que passar. Coloquei o ipod pra ver se dava uma animada. Segui em frente. O dia começou a clarear. Lá no alto a lua cheia brilhava no céu. A mesma lua cheia que me guiou no meu primeiro dia de caminhada, agora voltava exatamente um mês depois para me dar boas-vindas em Santiago de Compostela. Me emocionei. Ela tava grande. Enorme. Gigante. Amarela. Senti muita energia. Me senti abraçada por ela. Abraçada. Fiquei forte. Mais um pouco e chegaria ao meu destino final. Continuei caminhando. Quando avistei o topo da Catedral de Santiago de Compostela pela 1a vez, de longe, me emocionei. Estava tocando “Halleluya”. A mesma música que tocou quando eu estava com medo no primeiro dia, dando os primeiros passos. Tudo parecia se encaixar. Um ciclo parecia estar se fechando. Tudo estava conectado. Sincronicidade. Meu medo foi embora mais uma vez. Agora, eu sabia que chegaria. Lágrimas caíram dos meus olhos. Fui me aproximando. Agradecendo por tudo que vivi até aqui. Foi através de uma estreita rua que eu pude ver o topo da Catedral. Mais alguns passos e avistei os fundos. A arquitetura era linda. Imponente. Parei. Fiquei olhando pra ela por alguns segundos. Me arrepiei. Mais lágrimas. Continuei andando. Queria vê-la de frente. Desci uma escadaria. Mais alguns passos e eu alcançaria o destino mais esperado dos últimos 30 dias. E de repente… cheguei!! Finalmente consegui. A Catedral de Santiago de Compostela estava alí. Bem na minha frente. Foi um mix de emoções. Felicidade. Euforia. Gratidão. Sensação de “missão cumprida”. Ajoelhei. Chorei. Consegui. Sonho realizado. Olhei pra cima e abri os braços. Agradeci. Por tudo. Por cada minuto. Cada dia. Cada pessoa. Cada vilarejo. Cada desafio. Cada vitória. Cada aprendizado. Cada passo. Pela vida. Pela minha vida. Tudo fazia mais sentido agora. Aprendi muito. Me transformei. Acredito ser uma pessoa melhor. Mais leve. Mais madura. Menos apegada. Um peregrino ofereceu de tirar algumas fotos minhas pra registrar o momento. Aceitei, claro! “Picture Time”! Depois de 5 minutos da minha chegada, olhei para o lado e vi alguém me chamando alto pelo nome:  “PAOLA”!!! Era um dos meus alegres amigos italianos que fiz no caminho. David. Sorriso largo no rosto. Alegria transbordando. Veio correndo em minha direção e me abraçou forte. Me levantou no alto. Me rodou em seus braços. Me senti uma criança. Me deu os parabéns. Falou: “We did!!” (nós conseguimos)! Fiquei muito feliz em reencontrá-lo. Já não o via fazia mais de 15 dias. Tiramos uma foto pra registrar. Ela caminhou muito mais rápido que eu. Foi até Finisterra e voltou. Por isso, nos reencontramos. Prometemos nos vermos novamente no próximo ano. Na Itália. Ele foi assistir à missa dos peregrinos às 10:00 que era em italiano. Nos despedimos. Eu procurei o local onde poderia solicitar minha “Compostela”. Certificado de conclusão do Caminho. É simbólico. Mas queria ter a recordação. Fiquei uma hora na fila. Peguei a minha. Meu nome veio em latim. Lindo. Me emocionei. Fui correndo fazer o check-in no albergue para garantir minha vaga. Deixei minha mochila no quarto. Nesse momento, recebi uma mensagem do meu amigo Espanhol (José). Perguntou se eu chegaria em Santiago hoje ou amanhã. Respondi que havia acabado de chegar. Me perguntou se eu ficaria mais de um dia em Santiago ou se eu já iria para Finisterra no dia seguinte. Disse que já iria no dia seguinte e perguntei quando ele chegaria. Eu estava com esperança de reencontrá-lo por aqui. Fiquei sem sinal de internet e esperava sua resposta em breve. Voltei rápido pra Catedral. Era a hora exata em que começava a missa para os peregrinos. Fila grande pra entrar. Não tinha mais lugar pra sentar. Fiquei em pé. Levei um “Gatorade” comigo. Ainda me sentia um pouco fraca. A missa foi linda. Abençoada. Emocionante. Tive a sorte e o privilégio de ver o bota-fumeiro. Maravilhoso. Incrível. Nunca vi nada igual. De arrepiar. Ele alcança todo o interior da Catedral. Cheiro de mirra delicioso no ar. Acabou a missa. Comecei a reencontrar vários amigos que fiz ao longo do caminho. Nos juntamos para tirar uma foto de recordação. “Picture Time”! Decidimos comer e beber todos juntos para celebrar. Encontramos um restaurante. Sentamos. Todo mundo pediu o menu do peregrino. Eu ainda estava muito enjoada e sem apetite. Perguntei se tinha algo simples e sem muito tempero. A garçonete me sugeriu um prato de macarrão com molho de tomate. Aceitei. Comi um pouco. Não aguentei tudo. Dividi com os amigos. Matou minha fome. Me senti mais forte. Todo mundo brindou com vinho. Minha bebida preferida do Caminho. Logo hoje, eu não pude fazer o mesmo. Brindei com água. Precisava me hidratar. A vida é assim. Ás vezes, as coisas acontecem diferente do que imaginamos. Mas sempre da maneira como deve ser. Aceitação. Uma das muitas lições que o Caminho me ensinou. Aprendi a respeitar meu corpo e não minha vaidade ou vontade. Muito sorriso. Muita troca. Muita história. Promessas de reencontros. Fomos embora do restaurante. Andamos todos juntos até a Catedral pela última vez. Nos abraçamos. Nos despedimos. Eu estava muito feliz. Muito grata. Amei conhecer cada um deles. Viraram minha família. Não senti que era um “adeus”. Falei “see you soon” pra todo mundo. Tenho certeza que vou reencontrá-los um dia. A vida é assim. Encontros. Desencontros. Reencontros. Tudo na hora certa. Como tem que ser. Maior lição que aprendi. Desapego emocional. Finalmente entendi. Deixar fluir. O que tiver que ser, será. O que for pra acontecer, acontecerá. Só o que está morto é imutável. Sem adeus. Sem dor. Sem sofrimento. Sem drama. Com esperança. Com gratidão. Com alegria. Com abraços. Com amor. Foi assim a despedida. Andei pro meu albergue. Estava bem cansada. No caminho, comprei uma pintura em aquarela de uma artista de rua. O desenho era de uma mochila azul igual a minha. Me identifiquei. Levei. Linda recordação. Gosto de ter uma pintura de cada lugar que eu vou no mundo. Fui pro quarto. Falei com meus pais. Decidi que continuaria caminhando no dia seguinte. Resolvi ir até Finisterra. Mais 100km. Mais 4 dias. Mais histórias. Eu estava muito feliz. Realizada. Deitei. Rezei. Agradeci por tudo mais uma vez e dormi.

Lição do Dia: Acredite nos seus sonhos. Se você pode sonhar, você pode realizar! Não sabendo que era impossível, foi lá e fez!!!

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