Dia#29
Distância: 18km
Tempo de caminhada: 5 horas
Clima: Névoa
Temperatura: Mín: 15° / Máx: 24
Saída: Santa Irene
Chegada: Monte do Gozo
Data: 05/10/2017
Palavra do Dia: Medo
Distância: 18km
Tempo de caminhada: 5 horas
Clima: Névoa
Temperatura: Mín: 15° / Máx: 24
Saída: Santa Irene
Chegada: Monte do Gozo
Data: 05/10/2017
Palavra do Dia: Medo
Acordei. Dormi bem essa noite. Me arrumei. Sentei na cozinha do albergue para tomar café. Comi uma banana e um iogurte com amendoim. Conheci um Holandês. Seu nome é “Aart”. Foneticamente me lembrou a palavra “arte”. Adorei. Perguntei como se escrevia. Anotei. Deve ter uns setenta e poucos anos. Conversarmos. É a segunda vez que ele faz o caminho. A primeira vez ele começou na Holanda e foi até Santiago. Dessa vez começou em Saint Jean Pied Port. 140 dias de sua vida foram vividas no Caminho de Santiago. Quem sabe um dia faço o mesmo? Estava se iniciando meu último dia antes do destino final. Que sensação estranha. Feliz por chegar até aqui. Triste porque não quero que acabe. Não quero que chegue ao fim. Não quero me despedir. Comecei a caminhar mais tarde hoje. 7:00 AM. Só andaria 19km. Então, queria andar admirando a paisagem. Queria que meus últimos passos estivessem literalmente iluminados. Tava silêncio. A natureza parecia não ter acordado ainda. Ouvia barulho de carro ao longe. E também de avião. Estava me aproximando da “civilização” novamente. Olhei para o alto. Iluminei com a lanterna. Árvores altíssimas. Me senti protegida. Coloquei o ipod. Precisava de música essa manhã. Momento de reflexão. Tocou Uni Duni Tê. Lembrei da infância. Me senti criança. Andei dançando. Quase pulando. De um lado pro outro. De braços abertos pra vida. Coração puro. Limpo. Começou a clarear. Comecei a agradecer por todas as pessoas que já passaram pela minha vida. Àquelas que me amaram e que me fizeram sofrer também. Me ajudaram a amadurecer. Talvez se não fossem por elas, eu não estaria aqui. Agradeci pela natureza. Pelo alimentos. Pelas árvores. Pelas sombras. Pelo ar que respiro. Pela água. Pelo sol que me aquece. Pela lua que ilumina a noite. Pela vida. Por tudo. Parei pra comer em Amenal. Encontrei o casal canadense novamente. Imaginei que seria a última vez que nos veríamos. Tiramos uma foto. Nos despedimos. Desejei “Buen Camino”. Pedi um café quente e uma napolitana de chocolate. Estava uma delícia. Fiquei 20 dias sem tomar café. Hoje deu vontade. Faço tudo que quero por aqui. Liberdade. Muito bom isso. Coloquei adoçante. Mexi com a colher. Senti a consistência do café ao fazer isso. Senti o forme aroma no ar. Estava com saudade desse ritual. O sabor pareceu até mais especial. Entendi que quando você não tem algo por um tempo, valoriza ainda mais quando tem. Assim como na vida. Momento de reflexão. Olhei em volta. Vi que passava muita gente. Os peregrinos que antes estavam espalhados pelo caminho, agora se encontravam todos por aqui. Passagem obrigatória para chegar à Santiago. Faltavam apenas alguns quilômetros. Não estava mais sozinha. Me senti fazendo parte de algo maior. De uma grande família. De todos aqueles que já passaram por aqui. Agora eu era uma verdadeira peregrina. Estava completando 800km de caminhada. Inacreditável. Levantei pra ir no banheiro. Peguei minha mochila que estava “estacionada” junto de tantas outras na parede do restaurante. Elas são como nossos “carros” aqui. Não caminhamos sem elas. Mas levamos nas costas. As rodas são nossas pernas. Metafórico. Hoje eu estava resignificando tudo ao meu redor. Um período sabático nos deixa reflexivos. Sensíveis. Segui meu caminho. Um pouco mais à frente, avistei uma tenda. Parei. O vendedor abriu um enorme sorriso. Conversamos. Ele é Colombiano. Seu nome é Andreas. Nice guy. Mora há 14 anos em Santiago. Monta sua tenda todos os dias há 12km da cidade com souveniers do caminho. Vive com o dinheiro das doações. Muita gente vive assim por aqui. Você dá o que acha que o produto vale. Comprei um pin da Espanha. Ele me deu um presente depois. Uma lembrança. Disse que era para eu recordar desse lugar. Uma pequena casinha feita com matéria-prima local representando um “hórreo”. Local onde se secam os milhos na Galícia. Vi isso por toda parte por aqui. Em todas as casas. Em todos os vilarejos. Me perguntei várias vezes o que era. A resposta chegou até mim em forma de presente. Me senti conectada ao caminho novamente. Estou de fato presente. Nos últimos dias, por alguns momentos, me senti desconectando. Talvez porque estivesse chegando ao fim. Fiquei triste por alguns instantes. Foi uma sensação estranha. Nesse momento que ganhei um simbólico presente, sorri. Uma felicidade enorme bateu em meu coração. Fiquei cheia de amor. Segui. Mais adiante parei em outro vilarejo. Carimbei minha credencial do peregrino. Hoje decidi parar em todos os vilarejos e colecionar carimbos. Últimas lembranças. Já estava sentindo saudosismo. Em todos os bares que entrei, encontrei o Aart. Em Lavacolla, pedi pra tirar uma foto com ele. Talvez ele seria o último amigo que faria no Caminho. Queria uma recordação. Fui no banheiro e depois continuei. Andei mais um pouco. Presenciei uma peregrina reconhecendo um artista de rua que vendia souveniers. Tudo que vendia era feito por ele. Ela disse que lembrava dele. Ele a recebeu em um albergue em Los Arcos dois anos atrás. Ela ficou muito feliz quando o viu. O abraçou. Pararam para tirar uma foto. Tirei uma também para registrar o momento. Adoro reencontros. Ele tinha seu próprio carimbo. Mais uma pra minha credencial. Segui. Cheguei em Monte do Gozo. Avistei um grande monumento. Fui até ele. Tirei algumas fotos. Procurei o albergue municipal. Achei. Ainda estava fechado. Cheguei cedo. Sentei. Esperei até abrir. Fiz check-in. Peguei minha cama. Tomei um banho quente. Lavei o cabelo só com shampoo novamente. Acho que nem preciso mais usar condicionador. Acostumei. Lavei roupa. Coloquei no varal. Procurei um lugar pra comer. Tava tudo fechado. Encontrei um pequeno bar aberto. Pedi um bocadillo com omelete francesa e queijo. Tava gostoso. Matou minha fome. Comprei um pacote de biscoito palmier de sobremesa na mini vendinha ao lado. Encontrei Gabi (Canadense) depois de alguns dias sem vê-la. Ela disse que seguiria direto para Santiago. Faltavam apenas 5km. Eu resolvi passar a noite em Monte Gozo, pois queria chegar em Santiago de manhã cedi para assistir a missa dos peregrinos ao meio-dia. Desejei “Buen Camino” e me despedi dela. Liguei para meus pais. Conversei um pouco com eles. Meu coração tava apertado. Estava com falta de ar. Não sei porque. Talvez porque esteja chegando ao fim. Dá tristeza. Melancolia. Nostalgia. Saudade. Sentei em um troco de madeira ao lado de uma árvore. De frente para a Catedral de Santiago. Podia vê-la daqui. Que delícia. Me senti em um cenário cinematográfico. Era um lindo dia de sol. Começou a ventar. Esfriou. Voltei pro albergue pra pegar mais um casaco. Não estava me sentindo muito bem do estômago. Tomei um sal de frutas. Fui ver o pôr do sol. Peguei o finalzinho. Vi ele se pôr atrás de uma montanha. Lindo. Laranja. Foi descendo… descendo… descendo…. até sumir no horizonte. Levou apenas alguns segundos para desaparecer por completo. O último raio dourado do sol parecia um fio entre a vida e a morte. A vida é um sopro. Minha caminhada estava chegando no fim. Esfriou ainda mais. Votei para o albergue. Ainda estava me sentindo muito mal. Deitei. Tentei cochilar. Me deu dor de barriga. Comecei a suar frio. Levantei pra ir no banheiro. Quando voltei. Minha pressão tava muito baixa. Senti que ia desmaiar. Pedi ajuda pra um amigo (Borisz, Húngaro). Sentei na cama. Tentei levantar e desmaiei. Abri os olhos alguns segundos depois com meu amigo assutado. Eu estava me sentindo muito enjoada. Coloquei tudo pra fora. No chão do quarto. Fiquei morrendo de vergonha. Fui até a hospitaleira pedir desculpas, contar o que aconteceu e pedir um balde com uma vassoura e pano pra eu limpar. Ela foi muito gentil. Insistiu em ajudar e pediu para eu não me preocupar. Disse que essas coisas podem acontecer com qualquer um. Estava sem graça. Mas agradeci imensamente. Humildade. Não tem problema em aceitar ajuda. Ela foi até o quarto. Limpou tudo pra mim. Meu amigo ajudou. Me senti aliviada. Estava 70% melhor. Acho que foi o bocadillo que comi. Raramente passo mal. Foi estranho. Talvez possa estar ligado com algo emocional também. Último dia chegando. Sei lá. Fiquei triste na hora. Tinha acabado de agradecer à Deus por não ter passado mal, não ter ficado doente e nem ter me machucado durante todo o Caminho. Mas faz parte. Só queria me recuperar para estar 100% amanhã. Era o grande dia. Escovei os dentes. Lavei o rosto. Tomei bastante água. Deitei. Tentei dormir. Acordei várias vezes com muita azia e dor de barriga. Estava com medo de levantar e desmaiar de novo. Rezei a noite toda pedindo à Deus que fizesse essa sensação ruim passar. Eram 2:30 da manhã quando levantei mais uma vez pra ir no banheiro. Eu suava frio. Respirei fundo. Deu medo. Não sabia o que estava acontecendo. Agradeci por pelo menos só ter me sentido mal no penúltimo dia. Caso contrário, ficaria preocupada por todo o Caminho. Agradeci por um amigo estar do meu lado essa hora. É bom poder contar com alguém. Respirei fundo. Voltei pro quarto. Tentei me acalmar. Bebi mais água. Rezei. Finalmente dormi.
Lição do Dia: Vai. E se der medo, vai com medo mesmo.
Quer ver a galeria de fotos desse dia? Clique aqui e caminhe comigo…
Paola, fiquei emocionada com seu post. Deve ser muito estranho chegar ao final do Caminho. Tantas emoções durante a peregrinação. Derrepente de volta ai mundo. Estou me preparando para fazer em set/ 2021. A ansiedade e emoções já são enormes.
Parabéns!
Que legal… o Caminho é uma experiência única! Vai ser maravilhoso! Você vai amar! Buen Camino… =)