A GRAMA


Você já reparou na grama? Já deitou sobre ela por um tempo e ficou apenas admirando? Hoje decidi fazer isso. Meu verbo favorito tem sido “contemplar”. Parar. Olhar devagar. Desapressado. Perceber os detalhes. Sentir. Com todos os sentidos.

Dizem que a visão é nosso sentido menos sutil, mas é o que mais utilizamos. Não é à toa que nossos olhos começam a envelhecer tão cedo. “A grama é verde”. É a primeira definição que nos vem a cabeça quando pensamos nela. Mas isso é o que vemos com o olhar apressado de sempre. Hoje quando eu estava deitada na grama, bateu um vento e ela dançou. Eu sorri. Essa cena me paralizou por alguns segundos. Eu parecia estar em outra dimensão. Entrei no mundo das sensações. A brisa tinha sido a coreógrafa dessa dança. Parecia um ballet clássico. Elas se moviam com elegância e suavidade. Todas para o mesmo lado em sintonia, mas cada uma respeitando suas habilidades. As mais altas se curvavam mais e as baixas um pouco menos, mas juntas formaram um belo espetáculo. Todas elas queriam expor suas silhuetas elegantes. O verde era forte e cheio de brilho. Estavam maquiadas pelo sol. O amarelo das folhas caídas sobre o gramado anunciavam a chegada do outono. Às borboletas pareciam pequenas pinceladas de primavera. As formigas passeavam como se fosse verão. E a sombra deixava uma parte do gramado triste como o inverno.

Tocar também é uma forma interessante de conhecer alguém e criar mais intimidade. É no toque que podemos sentir o invisível aos olhos. Hoje fiz cafuné na grama. Toquei a parte mais alta de um gramado com a palma das mãos. Fiz pequenos movimentos da esquerda pra a direita. Suavemente. Senti cócegas. Acho que foi sua forma de retribuir meu carinho. Levantei e a toquei com a sola do pé, ela não reclamou. Me envolveu com todo seu amor como se fosse um cobertor. Decidi deitar meu corpo todo sobre ela, sem roupa, só de biquíni, pra sentir melhor. Foi como estar numa maca de acupuntura com milhares de agulhas. Sua energia pura, com certeza, também cura.

Você já ouviu a grama? Sim. Ela também emite um som. É só chegar bem pertinho dela no silêncio que dá pra ouvir. Parece um pequeno estalar. O barulhinho vem lá de baixo. Da raiz. Um som daqui, outro dalí. Cada um tem uma intensidade e vem de uma distância diferente. Parece uma sinfonia orquestrada. O acesso não é restrito e a área VIP é de graça. O ingresso é seu tempo. Você só precisa doar um pouquinho dele para conseguir ouvir. Vale a pena tentar. Acho que essa é a forma dela respirar.

E o cheiro? Ahhh… amo o cheiro de terra molhada. Aquele que permanece na grama depois de um banho gostoso de chuva. Ela fica cheirosa. Exala um perfume único. Esse aroma sempre me faz sorrir. Aquele mesmo sorriso que dou quando sinto o cheiro da pessoa amada.

Sem saber ainda como era seu gosto. Decidi experimentar. Peguei uma grama e mordi. Três vezes. Achei estranho. Meio amargo. Não gostei. Mas e daí? Um monte de animal adora. É sua comida favorita. Estão vivos graças a ela. Que bom! Imagina se todo mundo gostasse da mesma coisa e vivesse do mesmo jeito? A diversidade perderia a graça e a escolha perderia o sentido. Só podemos saber se gostamos de alguma coisa ou de alguém nos abrindo e nos permitindo sentir com todos os sentidos. Sem preconceitos. Observando, tocando, cheirando, ouvindo e saboreando. Sentindo de verdade.

Hoje, fiquei um pouco mais íntima da grama. Quem você quer conhecer melhor?

5 thoughts on “A GRAMA

  1. muito lindo seu texto, perceções e sentimentos que nao percebemos em nosso dia a dia. Obrigado por compartilhar. Fique bem!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *