Dia#22
Distância: 19km
Tempo de caminhada: 6 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 9° / Máx: 24
Saída: Camponayara
Chegada: Pereje
Data: 28/09/2017
Palavra do Dia: Confiar
Acordei. Arrumei minhas coisas. Fiquei pronta. Acordei faminta. Comi um folheado que tinha na mochila. Enchi a garrafinha menor de água e na maior, coloquei o vinho que sobrou da garrafa de ontem. Só tomei duas pequenas taças. Como tomei sozinha, decidi levar o resto para tomar hoje a noite. Comecei a caminhar. Já era tarde. 7:30 AM. Foi o dia que comecei a caminhar mais tarde. Ainda estava um pouco escuro. Mas não precisei de lanterna. O sol chegou logo depois (8:00 AM). Trazendo vida como sempre. Olhei pra trás e ele nascia atrás de uma árvore seca. Estonteante. Como uma bola de fogo. Parecia que a árvore estava em chamas. Era ele mesmo o responsável por queimar suas folhas. Continuei. O céu foi ficando azulado e a paisagem esverdeada. Vi coelhos. Muitos coelhos. Felizes. Saltitantes. Correndo rápido. Tentei fotografar. Não consegui. Mas a alegria deles ficou no meu olhar. Hoje acordei assim também. Com vontade de pular. O outono chegava junto com meus passos. A paisagem ficava cada vez mais amarelada. Diferentes tons de laranja ofuscavam meu olhar. Algumas folhas tinham um avermelhado especial. O céu ficou rosado. Me senti caminhando em uma Paleta de Cores. Parecia estar andando em um quadro impressionista. De repente, me dei conta que não sentia mais o peso da mochila. Não sentia mais dores na lombar ou nas costas. Saí do Brasil toda travada. O caminho me ajudou a curá-las. Gratidão. Avistei uma pequena placa de madeira que marcava os 194km que faltavam para Santiago. Eu estava cada vez mais perto. Passei por um caminhão da Heineken. Não bebo cerveja. Mas a imagem parecia refrescante. Senti calor. Parei pra tirar o casaco. Passei por um vilarejo onde estavam montando uma feira. Ainda estava cedo. Não fiquei para ver. Continuei caminhando. Vi uma porta cheia de arabescos. Bonita. Parecia barroca. Era a entrada de um Hostel. Segui em frente. Um pouco depois, vi uma peregrina com um mochilão cheio de bandeiras bordadas e coladas na mochila. Todos os países que ela visitou estavam alí. Tirei uma foto. Quero fazer isso um dia também. Inspiração. Passei por um lago e umas casinhas lindas. A água refletia as árvores. Fazia um lindo desenho vertical. Fiquei admirando a paisagem. Chegando no vilarejo seguinte, avistei uma linda igreja, mas estava fechada. Só consegui tirar uma foto da fachada. Fiz o sinal da cruz e rezei do lado de fora. Segui caminhando. As folhas amareladas passaram a ser companheiras de caminhada. Vi uma fonte de água e parei para encher minha garrafa. No meio da calçada, vi uma rosa. Tinha uma cor diferente. Não era vermelha e nem cor de rosa. Era salmão. Única. Original. Só tinha ela. Cheirei. Nunca senti um perfume igual. Doce, forte e suave ao mesmo tempo. Meu olfato ficava cada vez mais aguçado. Eu parecia estar em profunda conexão com todas as coisas. Os sentidos estavam à flor da pele. Tudo parece fazer mais sentido por aqui. Sorri. Prossegui. Parei em um bar adiante. Era uma graça. Tinha o mapa do Caminho Francês desenhado na parede e uma frase que me chamou atenção: “El Camino nos hace a todos iguales”. É verdade. Aqui, independente de onde viemos, da Língua que falamos, da religião que seguimos e da cultura que temos, somos todos peregrinos. Buscamos algo em comum. Caminhar rumo à Santiago de Compostela. Sentei para comer um croissant de chocolate. Conversei com um amigo sobre as transformações que estavam acontecendo no meu coração ao longo do Caminho. Esse lugar é mágico. O Caminho vai nos lapidando como se fôssemos um diamante bruto e ao final nos transformamos em uma linda e rara pedra preciosa. Entendi que nada acontece por acaso. Tudo tem uma razão de ser como é. Aprendi que um “sim” pode mudar tudo. Diga mais “sim” para a vida e para as oportunidades. O “não” nos paralisa. Siga sempre em frente. Vi alguns dizeres bonitos em um pequeno jardim. Parei para ler. Tiveram duas mensagens que me fizeram refletir: “Você tem duas vidas. A segunda começa quando você descobre que só tem uma.” e “Não busque resposta no Caminho. O Caminho é a resposta.” Fiquei refletindo o resto do dia sobre elas. Simples e profundas. Momentos de reflexão. Ao lado delas, vi gatinho dormindo. Quando passei, abriu os olhos, me viu, se espreguiçou e veio até mim. Miou. Pediu carinho. Se enroscou na minha perna. Ouvi seu ronrorar. Os gatos fazem isso quando estão felizes. É a forma que eles têm de dizer “te amo” ou “obrigada”. Me senti amada. Lembrei dos meus. Deu saudade. Me despedi dele. Continuei. O dia estava reluzente. O canto dos pássaros tomou conta do silêncio. Chegando no vilarejo seguinte, parei em um hostel pra ir no banheiro. Os donos eram brasileiros. Tinha muita coisa do Brasil. Bandeira. Placa. Sinais. tudo em verde e amarelo. Nosso país é querido por aqui. Tava em horário de limpeza. Não podia entrar. Andei até o próximo local aberto que encontrei. Quando entrei, descobri que era um ateliê de Patchwork. Quanta cor. Delicadeza. Beleza. Cheiro de incenso maravilhoso no ar. Lembrei da minha mãe. Ela é artesã. Nunca vi alguém ter tanto talento com as mãos. Tirei fotos pra mandar pra ela. A dona era muito simpática. Me ofereceu água e disse que eu podia usar o banheiro se precisasse. Agradeci. Aceitei. Quanta gentileza pro aqui. Peguei um cartão do lugar. Gostaria de voltar um dia com a minha mãe. Gostei de Villafranca. Segui adiante. Faltavam 2km para chegar ao meu destino quando um peregrino me abordou. Essa era um “legítimo” peregrino. Sem dinheiro. Levava apenas sua mochila e esperança. Veio andando de La Coruña até aqui. Está fazendo o caminho inverso. Pretendia chegar até Lourdes na França. Deu tudo que tinha antes de vir. Ficou apenas com a roupa do corpo e o suficiente para 10 dias. Trabalhou por 3 dias em um estádio de futebol, ganhou €60,00, comprou sua mochila e veio. Alguns dias depois, acabou seu dinheiro. Decidiu aceitar o que o caminho tivesse para lhe dar. Água da fonte. Um teto para dormir. Comida que doassem pra ele. Trabalharia em troca se fosse necessário. Isso me tocou. Sem exitar, peguei o último sanduíche que tinha na mochila e lhe dei. Ele precisa mais do que eu. Recebeu com gratidão. Sorriu. Falou que já tinha o que precisava para se alimentar hoje. Meu coração se encheu de amor. A fé dele me inspirou. Em uma conversa de apenas cinco minutos, esse homem fez diferença na minha vida. Ele nasceu em Lima no Peru. Ficou feliz quando eu disse que era brasileira. Somos vizinhos. Tiramos uma foto. Guardei o momento de recordação não só na câmera, mas também no coração. Desejei “Buen Camino”. Segui adiante. Momento de reflexão. Lembrei que já tive raiva de dinheiro. Ele é motivo de desavenças, guerras, conflitos. As pessoas lutam pelo poder. Eu era pequena. Sonhadora. Utópica. Acreditava em um mundo solidário e cooperativo. As pessoas ajudariam umas às outras. Só existiria o amor. Nesse segundo, percebi que não era sonho. Esse lugar existe. É aqui. No Caminho. O único poder que eu quero é o poder de amar. Sem limites. Todos. Tudo. Sempre! Vi um casal sentado em uma pedra fazendo um lanche. Eles pareciam felizes. Senti paz e alegria ao olhar aquela cena. Pedi para tirar uma foto e eternizar aquele momento. Eles sorriram. Fotografei. Cheguei no meu destino 2km depois. Vilarejo simples. Calmo. Tranquilo. Apenas um bar. Apenas um albergue. Entrei. Tinha vaga. Fiz check-in. A senhora que me atendeu estava séria. Silenciosa. Não sorriu. Falou apenas o necessário. Perguntei seu nome. Estendi a mão. Agradeci. Dei um enorme sorriso. Ela sorriu de volta. Consegui. Arranquei um sorriso dela. Ganhei o dia. Fiquei feliz. Às vezes, tudo que precisamos é de um sorriso que nos faça sorrir também. Fui até o quarto. Era uma graça. Todo de madeira. Super arrumadinho. Peguei minha cama. Tomei banho. Separei toda a roupa suja. Juntei com a de um amigo. Usamos a máquina de lavar pela primeira vez. Sempre lavei tudo à mão. Hoje quis aproveitar o longo dia de sol para lavar também os casacos. Precisava que secasse à tempo. Sempre faz frio de manhã. Não saio sem eles. Fiquei sentada em um banquinho esperando a roupa ficar limpa. Ócio. Isso é comum por aqui. Comi alguma coisa. Apreciei a natureza. O canto dos pássaros ecoava ao fundo. Atrás de mim havia uma videira e uma árvore de maçã. Nunca havia visto uma. Primeira vez. Me emocionei. Ao meu lado tinha um pé de pêra. Enorme. Pareciam suculentas. Grandes. Estavam muito no alto. Não consegui pegar. Mas comi um cacho de uva verde. A roupa ficou pronta. Pendurei tudo no varal. Cheiro de amaciante gostoso. Lembrei do conforto de casa. Máquina de lavar é luxo por aqui. Decidi dar uma volta pelo pequeno vilarejo. Vi um filhote de cabra solto. Tentei me aproximar para fazer carinho. Mas parecia arisco. Decidi só admirá-lo enquanto brincava com um pedaço de galho. Ouvi o som de um rio. Segui o som da água. Entrei em uma trilha na natureza. Andei um pouco. Vi que era possível me aproximar do rio. Avistei uma pedra mais lisa que as outras bem na beirada. Parecia estar me esperando. Sentei. Coloquei o pé na água. A água estava gelada. Fiquei alí por um tempo. Ouvindo os pássaros. O som do rio. Momento de contemplação. Conexão com a natureza. Bateu fome. Fui até o único bar pra comer alguma coisa. Pedi tortilha. Encontrei uma Canadense (Gabi) que já não via há alguns dias. Nos abraçamos. Ficamos felizes. Conversamos um pouco. Já era fim de tarde. Fui dar uma volta. Ao lado de uma fonte, vi uma touca de lã igual a do meu amigo italiano (Mattia). Lembrei dele na hora. Tirei uma foto. Queria lhe enviar para saber se era dele. Ele podia ter esquecido alí, mas nesse vilarejo não tinha internet. Decidi esperar até o dia seguinte. Se quando eu acordasse, ninguém tivesse pego a touca, eu saberia que ela não pertencia a ninguém que estava no vilarejo e levaria ela comigo para lhe entregar depois. Decidi procurar um lugar na natureza para tomar um pouco do vinho que tinha na mochila. Saboreei um queijo e um snack também. Fiz pique-nique com um amigo. Adoro sentar na grama. Escureceu. Esfriou. Voltei pro albergue. Peguei minhas roupas. Deitei. Agradeci. Dormi.
Lição do Dia: O Caminho te proporciona tudo que você precisa.
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Bom dia Paola. Quando se dá o que tem Santiago trata de providenciar o resto. Ultreya
Exatamente isso, Paula!!! Buen Camino… =)