Dia#33 | Caminho Francês

Dia#33
Distância: 31km
Tempo de caminhada: 9 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 7° / Máx: 25
Saída: Olveiroa
Chegada: Múxia
Data: 09/10/2017
Palavra do Dia: Força

Acordei. Me arrumei com cuidado para não fazer barulho. Fui na cozinha do albergue tomar café. Comi uma banana. Meu amigo americano (Victor) tinha um bolo de chocolate e partiu em vários pedaços. Ofereceu à todos que estavam alí. Generosidade. Cada um pegou uma fatia. Aceitei uma também. Comunhão. Estava uma delícia. Começamos a caminhar. Eu e mais três amigos (Borisz, Rúben e Victor). Ainda estava escuro. Eram 6:30. A lua cheia iluminava nosso caminho. Parecia um holofote guiando nossos passos. Fonte de luz natural. Nunca vi coisa igual. Depois de caminhar alguns quilômetros, avistamos uma bifurcação. Duas setas. Duas conchas. Duas direções. Hora de escolher se o próximo destino seria Múxia ou Finisterra. Escolhi Múxia. Virei para a direita. Queria que Finisterra fosse o fim do meu caminho. Andei mais um pouco e avistei novos aerogeradores de energia gigantes. Dessa vez, eles estavam bem pertinho de mim. Alguns metros do meu lado direito. Deu pra ouvir bem o barulho do vento passando por eles. Cadenciosamente. Me senti em um barco à vela em alto-mar. Continuei navegando na minha imaginação. Passei por um vilarejo. Rúben e Victor pararam para tomar um café quente. Eu segui adiante. Decidi que pararia no vilarejo seguinte. Um pouco mais a frente, ouvi o som de um rio. Era forte. Parecia até uma queda d’água. Olhei para a esquerda de onde vinha o som. Estava escuro. Pude ver apenas uma mancha branca se movendo no horizonte. Era a a dança das águas refletindo a lua no céu. Lindo. Parecia um véu de noiva. Olhei para o alto. Do lado esquerdo, uma estrela brilhava muito mais forte do que todas as outras. Era Vênus. Deusa do amor na mitologia grega. Não é atoa que brilha tanto. O amor é pura luz. Traz vida. Ilumina. Faz tudo brilhar mais forte mesmo. Continuei caminhando. Clareou. Ouvi um miado. Olhei pro lado. Era um lindo gato siamês. Veio em minha direção pedir carinho. Brinquei com ele. Se enroscou na minha perna. Continuei andando. O gato seguiu meus passos por alguns metros. Andamos lado a lado. Como se fôssemos antigos amigos. De repente, ele deu um grande salto para a esquerda. Tentou pegar um passarinho que descansava por alí. Encontrou uma nova distração e eu segui. Andei mais alguns quilômetros e cheguei em um vilarejo diferente. Arquitetura reta. Meio moderna. Colorida. Estava tudo fechado. Eu estava apertada para ir no banheiro. Encontrei um prédio que parecia ser a Prefeitura local. Entrei. Me informaram que mais a frente havia um bar onde eu poderia ir no banheiro. Agradeci. Segui. Também estava com fome. Andei mais um pouco. Encontrei o bar. Entrei. Eram 9:00. A comida já tinha acabado a essa hora. Achei estranho. Estava tão cedo. O atendente resolveu dar uma última olhada na cozinha e encontrou uma fatia de torrada e manteiga. Me ofereceu. Aceitei. Ainda não consigo entender como funcionam os estabelecimentos comerciais na Espanha. Comi mais uma banana que tinha na mochila e uma barra de cereal. Era tudo que eu tinha. Vi uma sacola de supermercado com pães dentro pendurado em uma porta. Quase peguei um pedaço. Não sabia se era doação para os peregrinos ou entrega da padaria. Na dúvida, segui em frente. Um pouco depois, encontrei um amigo. Ele acabara de comprar pão e calabresa. Disse que encontrou um pequeno mercado escondido pelo caminho. Me ofereceu um pedaço do pão. Aquele pedaço que eu não peguei, chegou de novo até mim. Adoro essa magia do Caminho. Ainda estava com fome. Aceitei. Continuamos caminhando. Andamos mais 5km e parei pra comprar mais alguma coisa pra comer. Hoje a fome não passava. Sentei em um banquinho em uma pequena praça enquanto comia e descansei com mais dois amigos por 10 minutos. Tirei o tênis um pouco para o pé dar uma respirada e depois calcei novamente para continuar.  Segui em frente. Logo depois, vi uma ovelha. Ela era linda. Ficou me olhando. Imitei o som que ela faz. Ela fez igual de volta. Gargalhei. Pulei de alegria! Fiquei feliz igual criança. Me comuniquei com uma ovelha!!! Fiz “béééé” de novo. Ela “respondeu” mais uma vez. Meus amigos não acreditaram. Peguei o celular. Filmei nosso “diálogo”. Ficou registrado pra eternidade. Amei esse momento. Foi o ápice do meu Caminho. Me senti uma menina. Segui. Mais a frente, avistei 3 lindos gatinhos deitados em um muro. Tirei foto. Um tinha o olhinho machucado. Acho que era cego. Provavelmente, algum animal o atacou. Tadinho. Me deu uma dó no coração. Andei mais um pouco e passei por um lindo cavalo. Ele me deixou fazer carinho nele. Hoje eu estava me sentindo como “São Francisco de Assis”. Conexão direta com os animais. Continuei caminhando. Mais alguns quilômetros e comecei a ouvir o barulho do mar. Cheiro de maresia no ar. O som das ondas me fez arrepiar. Me senti em casa. Continuei caminhando no meio da floresta por mais alguns quilômetros beirando a orla. O som do mar e das gaivotas me acompanhou durante todo o trajeto. E eis que depois de 33 dias, eu finalmente avistei o mar. Ainda do alto. A vista era recompensadora. O azul escuro do mar refletiu no brilho do meu olhar. Nesse momento eu realizei que havia atravessado um país inteiro a pé. De ponta a ponta. Caminhei por quase 900km entre floresta, cidades, vilarejos, estradas e finalmente cheguei à costa. Entendi que se eu era capaz de fazer isso, eu era capaz de fazer qualquer coisa na vida. Descobri que eu era muito mais forte do que imaginava. Me senti forte, grande, enorme e vitoriosa. Nada mais seria impossível pra mim. Naquele momento descobri que eu podia TUDO. Nada me impediria de realizar qualquer sonho. Foi uma sensação indescritível. Me emocionei. Lágrimas de alegria escorreram pelos meus olhos. Fui descendo um pequeno morro e enfim, cheguei na areia. Me arrepiei. Corri para a beira do mar. Que delícia sentir a areia fofa sob os meus pés. Fiquei alguns minutos parada alí. Admirando tamanha beleza. Senti uma felicidade incrível no coração. Momento de gratidão e contemplação. Tirei algumas fotos e segui. Fui caminhando até chegar na cidade de Múxia e encontrar um albergue. Decidi ficar em um albergue Húngaro. Ele ficava de frente para o mar. Era todo colorido. Alegre. Me identifiquei. Fiz check-in. Peguei minha cama. O quarto era grande. Espaçoso. Aconchegante. Adorei. Recebi meu certificado de conclusão do percurso de Santiago até aqui. Guardei junto com minha Compostela. Mais uma simbologia da minha conquista. Foi a dona mesmo do albergue que me concedeu. Ela se chamava Rózsa. Super amorosa. Acolhedora. A outra hospitaleira era uma brasileira. Se chamava Cris. Ela era de Brasília. Estava trabalhando como voluntária fazia 5 dias. Gostou tanto daqui que pediu para ficar em troca de estadia. Me falou que hoje seria seu último dia. Amanhã vai embora pra começar o Caminho Português. Aqui é assim. Idas e vindas o tempo todo. Eu estava faminta. Decidi procurar algo pra comer. Eram 15:00. O mercado só abriria às 17:00. O horário comercial espanhol é a única coisa que consegue mudar meu humor por aqui. Não tinha outra opção a não ser esperar. Dei uma volta à beira-mar. Meu amigo Húngaro (Borisz) estava comigo. Não tem praia onde ele mora. A primeira vez que viu o mar tinha 15 anos. Pra mim, era difícil de acreditar. Ele queria dar um mergulho. Sentir a água salgada. Estava congelante. Eu não consegui entrar. Fiquei apenas olhando. Ele entrou e saiu rápido morrendo de frio. Voltamos correndo pro albergue. O tempo passou. O mercado abriu. Comprei bisnaga, queijo, banana e barra de cereal. Fiz um sanduíche de queijo e manteiga com a metade da bisnaga. Não matou minha fome. Fiz mais um com a outra metade. Agora sim havia matado a fome. Comi uma bisnaga inteira. Isso foi inédito pra mim. Fiquei satisfeita. Decidi dar uma volta com mais dois amigos (Borisz e Victor) pra ver o pôr do sol. Levamos uma garrafa de vinho. Chegamos no ponto mais alto de Múxia. Na direção da igreja e do farol. Sentamos em uma pedra. Brindamos. O sol já estava descendo. Foi rápido. Em alguns minutos ele começou a sumir no horizonte. Parecia estar mergulhando no mar. Deu um último respiro e se foi. O mar parecia estar em chamas. O céu ficou vermelho ainda por um tempo. Ficamos alí contemplando aquele momento. Um dos mais lindos que já presenciei. Foi especial. Tirei algumas fotos da minha silhueta no pôr-do-sol. Brinquei com as formas que a contra-luz fazia no meu corpo e na garrafa de vinho. Veio o crepúsculo. O frio aumentou. Ventava muito. Decidimos voltar pro albergue. Estava doida pra tomar um banho quente. No caminho, passei por uma rua que se chamava “Rua José María del Rio”. Não acreditei. Era o Caminho novamente me fazendo lembrar do meu querido amigo Espanhol. Seu nome é justamente “José María”. Tirei uma foto da placa pra guardar de recordação. Senti que ele estava alí comigo. Cheguei no albergue. O banheiro era grande e individual. Fazia tempo que não sabia o que era isso. A hospitaleira brasileira me emprestou shampoo e creme. Eu não usava condicionador já fazia uns 15 dias. O meu havia acabado e acabei não comprando outro. Me senti uma rainha. O banho foi maravilhoso. Quentinho. Revigorante. Me arrumei e tomei uma taça de vinho com os amigos do albergue. Brindamos ao penúltimo dia do nosso Caminho. Estava acabando. Sensação estranha. Feliz e triste. Ficou tarde. Deitei. Meu amigo Espanhol me enviou uma mensagem perguntando se eu já havia chegado em Santiago. Ele já estava em casa se recuperando da febre dos últimos dias. Falei que chegaria no dia seguinte. Enviei uma foto da minha silhueta com o vinho e falei que era um brinde ao reencontro que teríamos um dia. O sono bateu. Rezei. Agradeci. Dormi.

Aprendizado do Dia: Sou muito mais forte do que imaginava. Se eu sou capaz de atravessar um país inteiro a pé, eu sou capaz de fazer qualquer coisa na vida! O impossível não existe. Se você pode sonhar, você pode realizar.

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