Dia#32 | Caminho Francês
Dia#32
Distância: 33.4km
Tempo de caminhada: 10 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 13° / Máx: 25°
Saída: Negreiro
Chegada: Olveiroa
Data: 08/10/2017
Palavra do Dia: Infância
Acordei. Me arrumei. Fui tomar café da manhã na cozinha do albergue. Conheci um casal Português. Luís Miguel e Carla. Ele mora em Vila do Conde e ela mora em Guimarães. Alegres. Gentis. Simpáticos. Me ofereceram chá. Aceitei. Conversamos por meia hora. Falaram tão bem sobre o norte de Portugal que fiquei decidida a conhecer após Finisterra. Carla me ofereceu estadia em sua casa, caso eu fosse à Guimarães. Quanta gentileza. Agradeci mais uma vez. Me deu seu telefone e disse para eu entrar em contato caso eu realmente fosse pra lá. Anotei. Me despedi. Comecei minha caminhada às 6:20 AM. Estava BEM frio. A proximidade ao mar, aumenta a umidade do ar e dá a sensação de estar ainda mais frio. Coloquei minha luva e a gola no pescoço. Ainda estava escuro. Após alguns quilômetros, percebi que não via nenhum sinal já fazia um tempo. Estava perdida. Decidi voltar para a última seta amarela que havia visto. Encontrei. Caminhei uns 20 ou 30 minutos pra fora da rota. Achei o caminho correto. Segui em frente. Veio o nascer do sol. O céu foi ficando azulado com um toque púrpura e rosado. A silhueta das árvores faziam lindos desenhos na paisagem. A lua estava lá no alto. De repente, o laranja e o amarelo tomaram conta da cena. Era o sol chegando para dar “bom dia”. Parecia um pequeno ponto amarelo no meio daquela imensidão. No céu, avistei um rastro que parecia um cometa. Essa cena parecia uma poesia. O céu ficou finalmente azul. O dia chegou. Passei por um cogumelo vermelho gigante. Parecia de desenho animado. Nunca tinha visto um igual. Parecia um guarda-sol para pequenos animais. Enquanto caminhava, lembrei do nome do meu novo amigo Português: Luís. Mesmo nome do meu avô. Pai da minha mãe. Se foi quando eu tinha apenas 5 anos. Tenho poucas, mas boas lembranças dele. Marcantes. São muito vivas em minha mente. Comecei a lembrar delas com uma enorme clareza. Lembrei até do seu cheiro e da expressão do seu rosto. Ele me ensinou a jogar paciência. Me ensinou a primeira piada que aprendi e que contei pra todo mundo por muitos anos. O som da gaita também me lembra quando ele tocava. Ele também tinha um pequeno piano de mão que se apertasse um dos botões, tocava uma música que consigo lembrar inteirinha na cabeça até hoje. Acho que todos os seus netos lembram dela. Ele se foi, mas as lembranças ficaram. Após alguns passos, ouvi o som do vento nos gigantes aerogeradores que produzem energia eólica por aqui. Nunca havia ouvido antes. Parecia o “som do silêncio”. Alguns segundos depois, avistei um pequeno passarinho em cima do fio de luz. Sozinho. Peito amarelo. Bonito. Ao fundo, a lua. Parecia um quadro. Queria eternizar esse singelo momento. Deu saudade da minha câmera. Não era possível fazer isso com o celular. O pássaro estava distante. Faz parte. Registrei na memória e no coração. Mais a frente, parei pra comer o que tinha na mochila. Metade de uma empanada de legumes do dia anterior. Matou minha fome. Segui em frente. Hoje estava vindo várias memórias antigas na minha cabeça. Não sei porque. Eu parecia ter revivido toda minha vida durante o Caminho. Relembrando os últimos acontecimentos até chegar lá atrás. Comecei a lembrar da minha infância. Lembrei do meu pai. Sempre muito generoso. Mão aberta. Amo ler. Desde criança. Quando íamos em alguma livraria, eu não pedia um livro, pedia a coleção inteira. Eu era exagerada. Ele nunca me negou. Incentivava minha paixão pela leitura. Anos mais tarde, ele disse que educação não se nega. Se puder incentivar alguém com qualquer tipo de informação e cultura, faça. Nunca me esqueci disso. Me marcou. Também assinou as revistinhas da Turma da Mônica pra mim. Eu adorava. Era fã do Maurício de Souza. De repente, eu ouvi um barulho. Caiu uma pinha seca bem na minha frente. Olhei pro chão. Lembrei da minha mãe na mesma hora. Está chegando o Natal. Ela adora dessas coisas. Peguei pra ela. Coloquei na mochila. Um pouco depois cheguei em um pequeno vilarejo. Parei pra comer e ir no banheiro. Pedi um café quente e um folheado de chocolate. Enchi minha garrafa de água e segui. Logo depois vi um pequeno cachorrinho branco preso em uma grade. Me deu uma dó dele. Não consigo ver animal assim. Eles nasceram para ser livre. Correr. Brincar. Saltar. Me deu até vontade de soltar. Fiz carinho nele através da grade. Ele fez festinha. Ficou feliz. Deu alguns latidos. Me olhou com olhar de “pidão”. Me despedi e segui. Continuei caminhando. Hora de ouvir música. Liguei o ipod. Tocou “Dancing in the Dark” de Bruce Springsten. Lembrei do meu pai novamente quando era mais novo. Eu ainda era criança quando ele ouvia essa música. Boas recordações. Me remeteu à alguns momentos entre os meus 5 e 7 anos. Hoje minhas lembranças estão todas nessa faixa de idade. Coisa gostosa. Bons tempos. Lembrei da mamãe arrumando a casa para as nossas festas de aniversário. Sempre animada. Sorriso lindo no rosto. Colocava música à toda altura na sala. Quanta alegria! Papai tinha uma camisa social de listras verde escura e um colete de lã cinza que era sua marca registrada. Chegava do trabalho com sua maleta preta estilo “007” que eu adorava. Parecia um agente secreto. Acabou a bateria do ipod. Veio o silêncio. As lembranças se foram. Voltei ao momento presente. Agora eu ouvia somente o som dos meus passos e da natureza. Muitas aves cantando. Os sentidos estavam aguçados. Conseguia distinguir o som vindo de distâncias e direções diferentes. Continuei caminhando. Encontrei o casal de portugueses (Carla e Luís). Eles estavam sentados na grama. Embaixo de uma grande árvore. Na sombra. Estava bem quente. Pararam pra descansar um pouco. Desejei bom descanso e segui. Sabia que nos encontraríamos novamente no nosso destino final do dia. Um pouco adiante parei pra tirar uma foto da paisagem no horizonte e um menino puxou papo. Era Espanhol. 24 anos. Seu nome era Rúben. Simpático. Nasceu em Ponferrada. Uma das cidades que passei para chegar até aqui. Saiu da porta da casa de seus pais há uma semana para fazer o caminho até Finisterra. Ele estava morando em Roma. Acabou de se formar em história da arte. Conversamos até chegar no nosso destino do dia. O tempo sempre passa mais rápido com uma boa conversa. Chegamos em Olveiroa. Passei por uma plantação de pimentões gigantes. Vermelhos. Lindos. Vi uma galinha gorda. Bonita. Parecia chocadeira. Tirei uma foto. Essa área é bem rural. Encontramos o albergue municipal. A hospitaleira só chegava às 19:00. Peguei uma cama e fiz check-in mais tarde. Tomei banho. Lavei toda minha roupa. Um alemão puxou papo. Comunicativo. Super simpático. Sensível. Bom papo. Seu nome era Valentine. Me lembrou o “Valentine’s Day”. Sorri. Estendemos nossa roupa no varal juntos. Bateu fome. Procurei algo pra comer. Não tinha muita opção por aqui. O vilarejo era micro. Só tinha uma pequena vendinha, um bar, o albergue municipal e uma capela. Fui até o bar. A atendente era brasileira. Seu nome era Fabiana. Nasceu em Goiânia. Mora aqui já faz 13 anos. Simpática. Engraçada. Sotaque carregado. Dois italianos conversavam com ela: Marco e Francesco. Super simpáticos. Falavam português. Me senti em casa. Momento gostoso. Descontraído. Procurei a cozinha do albergue pra cozinhar 3 ovos que havia comprado na vendinha. O fogão era elétrico. Alguém me disse que só duas bocas funcionavam. Esperei duas pessoas cozinharem seus jantares e só então chegou a minha vez. Demorou uns 30 minutos. Estava faminta. Ficou pronto. Coloquei um pouco de sal e comi. Essa foi minha janta. Simples. Só proteína. Ainda estava me recuperando do estômago. Mas matou minha fome. Fiquei sentada em uma mesinha ao ar livre com alguns amigos batendo papo (Borisz, Victor e Rúben). Comi uma maçã amarela de sobremesa que encontrei pelo caminho. Estava deliciosa. Doce. Macia. Saborosa. Cheirosa. Escureceu. Veio o frio. Peguei minha roupa no varal. Ainda estava úmida. Pendurei em volta da minha cama para secar até o dia seguinte. Escovei os dentes. Deitei. Rezei. Agradeci. Dormi.
Aprendizado do Dia: As memórias emocionais da infância são as mais fortes e duradouras que carregamos ao longo da vida. Anos se passam, mas elas estão sempre lá. Registradas em uma caixinha especial da nossa cabeça e do nosso coração.
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