Dia#27 | Caminho Francês
Dia#27
Distância: 31.8km
Tempo de caminhada: 8 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 14° / Máx: 24
Saída: Gonzar
Chegada: Melida
Data: 03/10/2017
Palavra do Dia: Resiliência
Acordei. Me arrumei. Comi o último pão que tinha na mochila. Comecei a caminhar às 6:30 com mais dois amigos (Borisz e Raphael). Sempre escuro no início da manhã. Liguei a lanterna do celular pela primeira vez. É forte. Boa. Iluminou tudo. Hoje eu queria ouvir música. Senti que precisava de motivação e queria ficar “sozinha” com meus pensamentos. Foi o primeiro dia que senti calor de manhã. Tirei os dois casacos logo cedo. Segui em frente. De repente, vi algo atravessar a calçada. Bem na minha frente. Era pequenino. Saltitante. Um ratinho. Camundongo. Lindo. Cinza. Menor que a palma da minha mão. Ele tentou se esconder no mato. Virei a luz para ele. Ficou paradinho me olhando. Inofensivo. Sozinho. Queria poder fazer carinho. De repente, ele deu dois saltos muito altos. Pulou pra trás. Sumiu no meio da vegetação. Parecia aquelas pulgas de desenho animado. Veio o amanhecer. Clareou. Tava nublado. O céu estava branco, sem muita cor. Passei por uma plantação de girassol gigante. Um deles estava na beira da estrada. Foi o maior que vi até agora. Ele estava caidinho e parecia um grande chuveiro. Parei em baixo dele e brinquei como se estivesse tomando banho. Um amigo tirou uma foto. Passamos por uma linda plantação de abóbora. Pareciam aquelas de “Halloween”. Paramos depois de 10km para comer alguma coisa. Comi um biscoito folheado que tinha na mochila. Continuei. Passei por uma placa que dizia: “Love your self” (Ame-se). Amor demais nunca é ruim. Sempre bom lembrar. Avistei algumas plantações de couve e milho. Tudo verdinho, grande, bonito. Sem agrotóxico. Andamos mais 10km. Paramos em um albergue. Era mais moderno que os demais. Tinha um enorme gramado. Sentamos em uma mesa de madeira para comer mais alguma coisa. Acabei com o restante do biscoito. Fui no banheiro. Era bonito. Limpo. Arrumado. Segui adiante. O cheiro de estrume ficou forte por um quilômetro. Foi o dia em que esse cheiro estava mais forte até agora. Quase não consegui respirar. Fechei o nariz. Gargalhei ao mesmo tempo. Achei engraçado andar com o nariz tapado igual criança. Mais a frente, melhorou. Passei por um vilarejo onde na vitrine de uma loja de sapatos tinha um “sapato” feito de palha e usado como vaso de planta. A coisa mais linda. Quanta criatividade. A simplicidade é o último grau da sofisticação. O céu ficou azul e a paisagem amarela. Cinco quilômetros adiante, paramos para almoçar. Pedi uma tortilha. Comi alguns amendoins. Descansei um pouco e seguimos. Passei por uma mata mais fechada. A sombra ajuda a refrescar. Ouvi o som das folhas se movendo. Olhei para o alto. Ventava suavemente. As folhas amarelas das árvores balançavam devagar. Pareciam estar dando “tchau”. Senti que o fim estava chegando. Meus olhos ficaram cheios d’água. Não gosto de despedidas. Vim aqui também para aprender a “deixar ir”. Não queria sofrer antecipadamente e nem pensar nisso. Queria aproveitar o momento. O dia de hoje. Amanhã é outro dia. Os passos começaram a ficar mais lentos. O corpo estava cansando mais rápido. Talvez minhas pernas não quisessem chegar. Eu queria ficar aqui pra sempre. Viver com simplicidade. Me conectar com a essência das coisas. Não queria voltar pra realidade. No meio do caminho encontrei um peregrino Húngaro. Esbarrei com ele algumas vezes. Ele levava sua boina pendurada na mochila. Cheia de carimbos dos lugares por onde passou. Era seu passaporte do peregrino. Original. Gostei da sua ideia. Logo a frente, avistei alguns filhotes de ovelha. Eram três. Enlouqueci. Coisa mais linda do mundo. Pareciam muito felizes. Queria poder brincar com elas, mas uma grade nos separava. A mãe era grande e gorda. Cheia de leite. Ficou me olhando por alguns segundos. Parecia cansada. Filho dá trabalho mesmo. Segui em frente. Vi algumas casinhas de pedra charmosas. Aquelas que nos dá vontade de entrar e ficar pra sempre. Um pouco mais a frente, atravessei um riacho passando por uma ponte de pedras. Pude ouvir o som da água passar por debaixo dos meus pés. Me senti caminhando sobre as águas. Como Jesus. Adoro som de água. Me acalma. Logo depois senti um cheiro de lavanda no ar. Tinha uma pequena plantação perto do Caminho. Parei pra admirar. Um pouco mais a frente, vi uma pedra com uma mensagem: “Love wins”. Sim. Eu concordo. O amor vence sempre no meu mundo. Sem ele, nada na minha vida faz sentido. Mais alguns quilômetros e cheguei ao destino do dia: “Melide”. Procurei pelo albergue municipal. A atendente não estava. Não sabia se ainda tinha vaga. Eu estava bem cansada. Sentei pra esperar. Alguns minutos depois, descobri que ela estava tomando um café. Voltou. Tinha vaga. Amém. Fiz check-in. Peguei minha cama. Tomei um banho. Demorei até entender como funcionava a água quente e fria desse chuveiro. Era confuso. Depois de quase um mês tomando banho em chuveiros diferentes, você descobre uma infinidade de possibilidades de funcionamento. Virei especialista. Haja criatividade. Lavei o cabelo. Só com shampoo. Acabou o condicionador. Não encontrei no mercado pra comprar. Tudo bem também. Faz parte. Penteei o cabelo. Ficou ótimo. Nem senti tanta diferença. O cabelo também já entrou no clima do modo “sobrevivência”. Lavei minha roupa. Coloquei no sol pra secar. Fui no mercado. Comprei uma lasanha de espinafre congelada e algumas coisas pro café de amanhã. Estava com vontade de comer algo diferente. Quando abri a embalagem, vi que era de alumínio. Eu tinha que tirá-la e colocar em outro recipiente para poder esquentar no microondas. Não tinha prato nesse albergue. Não entendi essa lógica também. Se o produto é para microondas, porque não vem com embalagem adequada? Ok. Não adiantava pensar nisso. Foquei na solução. Um amigo comprou frango xadrez em uma embalagem de papel. Esperei ele comer. Lavei a embalagem. Era pequena. Peguei uma faca e cortei metade da lasanha congelada dentro da embalagem. Foi difícil cortar. Estava bem duro. Quase quebrei a faca, mas consegui. Tampei a embalagem com outro pedaço de papel. Coloquei no microondas. Depois de 12 minutos, estava pronta. Ficou uma delícia. Repeti o processo para fazer a outra metade. Comi com gosto. É bom sair da zona de conforto. Quando você supera pequenos desafios e encontra soluções para qualquer tipo de problema, você se sente vitorioso. Não se dá por vencido. A falta de opções, te faz ser criativo e perseverante. Você aprende a não desistir fácil. Resiliência. Minha palavra favorita. Dei mais valor àquele prato de comida. Comi um biscoito doce de sobremesa. Fiquei sentada na cozinha do albergue pensando nos próximos dois dias até Santiago. Planejando minha caminhada final. Sensação estranha. Minha jornada estava terminando. Ficou tarde. Bateu sono. Fui pro quarto. Não vi meu amigo brasileiro na cama ao lado da minha. O albergue tinha hora pra fechar. Já estava fechado. Não podia mais entrar. Imaginei que ele pudesse ter trocado de cama, mas suas coisas ainda estavam alí. Achei estranho. Mandei um mensagem pra ele. Ele não respondeu. Nem visualizou. Fiquei preocupada. Espero que estivesse tudo bem. Deitei. Rezei. Agradeci. Dormi.
Lição do Dia: Sair da zona de conforto nos torna mais resilientes. Aprendemos a lidar melhor com problemas, nos adaptamos mais facilmente a mudanças, superamos com mais facilidade os obstáculos e resistimos à qualquer desafio. Ou seja, a dificuldade nos torna mais fortes!
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