Dia#25 | Caminho Francês

Dia#25
Distância: 22.8km
Tempo de caminhada: 6 horas
Clima: Nublado / Sol
Temperatura: Mín: 11° / Máx: 24
Saída: Triacastela
Chegada: Barbadelo
Data: 01/10/2017
Palavra do Dia: Contemplação

Acordei. Me arrumei. Meu novo amigo Brasileiro (Raphael) me esperava na frente do albergue para caminharmos juntos hoje. Meu amigo Borisz e a Canadense (Gabi) caminharam conosco também. Saímos às 7:00 AM. Andamos uma hora no escuro. Veio uma subida. Senti muito calor. Suei frio. Minha pressão baixou. Parei. Tirei os casacos. Bebi água. Comi uma barra de cereal. Melhorei. Continuei. Veio o nascer do sol. Clareou. Andei mais uma hora. Bateu fome. Comi mais uma barra de cereal. Esfriou de novo. Coloquei o casaco. O dia estava nublado. Fresco. Passamos por uma área rural. Vi muitas vacas e bois. Eles eram lindos. Um filhote de cachorro veio até mim. Começou a fazer festinha e brincar comigo. Ficou pulando na minha perna. Não queria me deixar andar. Segui caminhando e ele veio atrás. Tive que tentar fazê-lo ficar para não se perder depois. Após alguns minutos, decidi jogar um pequeno graveto pra ele pegar acelerei o passo. Deixei ele lá. Ele era muito bonitinho. Os animais gostam de mim por aqui. Andei mais alguns quilômetros e parei em um vilarejo para comer. Pedi uma torrada com manteiga e croissant de chocolate de sobremesa de sobremesa. Fiquei alimentada. Encontrei uma brasileira que morava em Brasília. Trabalha para o Governo. Falamos um pouco sobre política e os problemas de corrupção no país. Ela disse que é difícil trabalhar sem se corromper. São poucos os que conseguem. Uma pena nosso país ter chegado a esse ponto. Sinto um pouco de desesperança. Me despedi. Segui. Andei mais alguns quilômetros. Encontrei um casal Canadense que já não via fazia uma semana. Parei para um rápido bate papo. Eles são muito simpáticos. Vira e mexe nos encontramos pelo caminho. Na maioria das vezes eles acampam, apenas um dia ou outro eles se hospedam em albergue. Encontrei também o Victor (Americano). Seguimos conversando. Falamos sobre a vida. Sobre o caminho. Reflexões. Confissões. Ele me contou que não lembrava a última vez que havia chorado. Mas três dias atrás, disse que estava andando sozinho e de repente, sentiu vontade de desistir do caminho. Parou. Colocou a mochila no chão. Chorou. Depois se sentiu aliviado. Continuou. No meio da nossa conversa, falei sobre o sentido do caminho e disse que nada era por acaso. Ele é judeu. Se lembrou que no dia em que chorou era o “Yom Kypur”. Ano novo judaico. Dia do perdão. Se emocionou. Tudo fez sentido pra ele naquele momento. Me agradeceu pela conversa. Fiquei feliz. Ele também. Disse que sempre foi muito fechado e solitário. Contou que não conversa e nem se abre com muita gente. Se sentia à vontade comigo. Foi bom saber que confiava em mim. Seguimos com mais dois amigos (Borisz e Raphael). Chegamos em “Saria”. Não tinha nada de muito especial por alí, mas descobri que atingi a marca dos 100km finais para Santiago. A partir daqui, é preciso de dois carimbos por dia pra comprovar que caminhei os últimos 100km e ter direito a pegar minha Compostela em Santiago. Fui na igreja e no monastério da cidade para carimbar minha credencial do peregrino e segui viagem. Passei por um antigo trilho de trem. Parei para uma foto. Como eu gosto desses trilhos. Acho bonito e metafórico. Ligam um local ao outro. Fazem conexões. Nos levam a destinos tão desejados. São extensos e quando olho pro horizonte e vejo uma curva, não sei onde vai dar. Isso me traz uma sensação de mistério e esperança de chegar a algum lugar. Continuei. Andei mais alguns quilômetros e cheguei no destino do dia: “Barbadelos”. Vi uma placa com meu sobrenome “Loureiro”. Me senti em casa. Tirei uma foto. Procurei o albergue municipal. Uma moradora indicou o caminho. Encontrei. Tinha vaga. Fiz check-in. Peguei minha cama. Hora do banho. Água gelada. Congelante. Quase chorei. Tomei um banho de gato. Lavei minha roupa. Coloquei pra secar no sol. Estava faminta. Andei alguns minutos até encontrar um lugar pra comer. O albergue ficava meio afastado do restante do vilarejo. Encontrei um grande restaurante de um albergue privado aberto. Entrei. Pedi uma tortilha e um croissant de chocolate. Fiquei sentada no sol enquanto comia e conversava com mais três amigos. Bateu um ventinho. Temperatura gostosa. Tarde agradável. Bom papo. Voltando pro albergue, vimos uma macieira. O Brasileiro (Raphael) era alto e tentou pegar algumas maçãs. Não teve sucesso. Um peregrino passou e ofereceu seu cajado para ele tentar alcançá-las. Finalmente conseguiu. Pegou três. Uma para cada um. Filmei esse momento. Foi divertido. Todo mundo se ajuda por aqui. É impressionante. Agradecemos. Tinham algumas vacas lindas ao lado da macieira. Pareciam vacas leiteiras. Elas eram grandes, gordas e bonitas. Fiquei admirada com tanta beleza. Pareciam bem cuidadas. Uma delas me olhou profundamente nos olhos. Tinha um olhar impactante. Me encarou por alguns segundos. Me aproximei. Queria fazer carinho. Mas havia um arame farpado no meio. Não consegui. Me deu vontade de abraçá-la e agradecer pelo leite que ela produz. Naquele momento fiquei feliz por não comer carne. Realmente eu não conseguiria comer um animal tão indefeso e pacato que não faz mal a ninguém. Voltamos pro albergue. Peguei o vinho que tinha sobrado do dia anterior e fui procurar um local para tomá-lo. Um amigo dormia deitado em um banco de madeira. O outro estava sentado em um canto escrevendo em seu diário. Naquele momento senti paz. Estávamos todos no meio do “nada”. Cercados por uma imensidão de natureza. Não tinha muito o que se fazer no vilarejo. Descobri que o “fazer nada” é bom também. Sábios são os italianos quando utilizam a frase “la dolce far niente” (a doce arte de não fazer nada). Quando não fazemos nada é quando temos tempo e oportunidade de fazer a melhor coisa da vida: CONTEMPLAR! O simples ato de olhar ao redor com atenção. Sem pressa. Perceber cada detalhe. Comecei a caminhar. Encontrei um enorme terreno baldio. Sentei na grama para curtir o fim de tarde enquanto tomava um vinho. Os passarinhos cantavam. Parecia uma sinfonia. O som da natureza é a melhor trilha sonora. Algumas nuvens brancas mescladas com um cinza claro davam uma tonalidade diferente ao céu. A lua aparecia suavemente. Minguante. Sempre linda. Parecia estar sorrindo. Meu coração ficou cheio. Transbordando. Senti paz. Um cachorro preto passeava vagarosamente perto de mim. Eu fiquei alí contemplando aquela paisagem. Veio o pôr-do-sol. O céu começou a ficar rosado. As nuvens deram um toque especial. Em alguns minutos o céu ficou alaranjado. Parecia estar em chamas. Pegando fogo. Nunca vi um pôr-do-sol assim. Foi especial. O mais bonito de todo o meu Caminho. Nesse momento, descobri porque amo tanto o entardecer. É quando o sol nos dá até logo e naquela bola de fogo está a esperança de um dia ainda melhor na manhã seguinte. É o mistério da renovação. Escureceu. Esfriou. Voltei pro albergue. Minha roupa ainda não estava seca. Eu e mais três amigos dividimos a secadora. Foi a primeira vez que usei. Fiquei de papo com dois amigos esperando a roupa secar. Valeu a pena. Ficou super cheirosa e secou rapidinho. Estava tudo pronto pra amanhã. O sono bateu. Fui para o quarto. Deitei. Agradeci. Dormi.

Lição do Dia: Quando não fazemos nada é quando temos tempo e oportunidade de fazer a melhor coisa da vida: CONTEMPLAR!

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