Dia#23 | Caminho Francês

Dia#23
Distância: 22,8km
Tempo de caminhada: 7 horas
Clima: Sol / Nublado
Temperatura: Mín: 9° / Máx: 24
Saída: Pereje
Chegada: O Cebreiro
Data: 29/09/2017
Palavra do Dia: Fé

Acordei. Arrumei minhas coisas. Comi uma barrinha de cereal. Saí às 6:20 AM. Ainda tava escuro. Bem frio. A touca de lã que eu havia visto no dia anterior, igual a do meu amigo italiano (Mattia), continuava ao lado da fonte de água. Imaginei que ele realmente tivesse esquecido alí. Coloquei na mochila na esperança de devolvê-la quando nos encontrássemos novamente. Comecei a dar os primeiros passos. Olhei para o alto. Admirei a beleza do céu. Sempre muito estrelado por aqui. Segui caminhando em passos largos para me aquecer do frio. Veio o sol. Clareou. Passei por um vilarejo. Entrei em um pequeno bar para me esquentar e comer alguma coisa. Tinha wi-fii. Mandei a foto da touca para o Mattia. Era dele mesmo! Ele ficou feliz por eu ter encontrado. Disse que pensou em voltar para procurar, mas já estava longe quando deu falta. Falou que a touca tinha um valor sentimental pra ele. Fiquei feliz por seguir minha intuição de trazê-la comigo. Combinei de entregá-lo até chegar à Santiago. E se por acaso não nos encontrássemos mais pelo Caminho, prometi que um dia lhe entregaria em mãos na Itália. Promessa feita. Segui em frente. Os vilarejos hoje eram bem próximos uns dos outros. No 2 vilarejo que passei, encontrei uma pequena capela aberta. Entrei. Era acolhedora. O altar tinha cor dourada. Me ajoelhei. Agradeci por tudo que estava vivendo aqui. Rezei pela minha família. Quando saí, vi uma Rosa, cor de rosa. Do outro lado da rua. Atravessei. Suavemente me aproximei de suas pétalas. Cheirei profundamente. O perfume era maravilhoso. O cheiro pareceu ter penetrado por todo o meu corpo. Oxigenou meu coração. Senti meu peito se abrir. Se expandir. Sensação única. Me senti como se tivesse inalado sua beleza. Me senti linda por dentro. Sorri. Segui. Alguns quilômetros adiante, avistei uma bandeira do Brasil. Parei. Era um albergue brasileiro. Tirei uma foto com a bandeira verde e amarela. Uma simpática mulher apareceu na porta. Deu um enorme sorriso. Seu nome era Tereza. Brasileira. Carioca. Mora em Macaé. Voluntária do albergue por 15 dias. Me abraçou forte. Me contou rapidamente sua história. Teve um aneurisma dois anos atrás. Seu marido estava fazendo o Caminho e recebeu a notícia de seu aneurisma quando estava chegando à Santiago. Naquele dia, todos os peregrinos rezaram pela sua saúde durante a missa na Catedral de Santiago. Estavam comovidos e tocados pela dor do seu marido. Os médicos haviam dado sentença de morte. A chance de sobreviver era mínima. A família permitiu que os médicos a operassem mesmo assim. Tiveram fé. Acreditaram. Ela foi operada. Sobreviveu. Foi um milagre. Sua recuperação foi lenta. O médico a liberou para viajar fazia um mês. Ela decidiu ser voluntária do albergue para ajudar todos que passassem como forma de retribuição e gratidão a todos os peregrinos que rezaram por ela naquele dia. Ela pretendia fazer o Caminho de Santiago em seguida para entender a força da Fé que a salvou. Suas palavras me emocionaram. Fiquei com os olhos cheios d’água. Ela me disse que eu não poderia deixar de experimentar o queijo tradicional do “O Cebreiro” com mel. Agradeci pela dica e por dividir sua história comigo. Lhe dei um forte abraço. Desejei “Buen Camino”, boa sorte e longa vida! Segui em frente. Fiquei feliz por esse encontro. Refleti sobre a fragilidade da vida. Ela é marcada por um sopro. Uma hora estamos aqui e de repente, podemos não estar mais. No momento em que nascemos, choramos para abrir nossos pulmões, respirar e viver. Mas não sabemos quando será o último suspiro. Portanto, devemos aproveitar cada segundo dessa incrível Jornada que é a vida. Um pouco adiante, avistei um gracioso bar. Entrei para ir no banheiro e segui. Mais a frente, parei em uma fonte de água para encher minha garrada. O chão estava cheio de folhas amarelas e havia alguns bancos de pedra. Que paisagem bucólica. Parecia uma cena de filme. Admirei por alguns minutos e segui. Mais a frente, vi uma pequena venda colorida somente com produtos orgânicos e naturais. Parecia tudo delicioso, mas como eu já havia comido, não parei. Alguns quilômetros adiante avistei uma linda árvore de papel. Tinha uma placa dizendo: “What are your dreams?” Era a “Árvore dos Sonhos”. Também tinha um pequeno cesto com papel e caneta. Era um convite para párar por um momento, pensar sobre os sonhos, escrever e pendurá-los na árvore. Fazê-los crescer. Simbólico. Como tudo por aqui. Ahhh… sonhos! Tenho muitos. Já realizei vários. Ainda tenho outros tantos. Sentei no tronco de uma árvore e escrevi os três sonhos que mais quero que se realizem. Desejo que sejam os próximos a se realizarem. Enrolei o papel fazendo um pequeno canudo. Um amigo ofereceu de amarrá-lo na árvore com uma pulseira que achou pelo caminho. Colocamos os nossos juntos. Comunhão. Laços. Amizade. Plantamos nossos sonhos. Espero que cresçam e floresçam em breve. Dei alguns passos e reencontrei amigos que havia “perdido” já fazia alguns dias. Muito bom reencontrá-los. Estávamos indo todos para o mesmo destino nesse dia. Uma parte do grupo parou pra comer. Minha amiga Inglesa (Caroline) seguiu comigo. Conversamos sobre os últimos dias. Ela estava com o rosto bem machucado. Caiu no chão novamente. Já havia levado um tombo e machucado o ombro no 2o dia. Desejei melhoras. Seguimos em frente. Ficou quente. Parei pra tirar o casaco. Comi uma barra de cereal. O calor aumentou. Parei em um bar um pouco adiante para tirar minha calça legging que estava por baixo da calça de trekking (de manhã estava frio). Fiz um rabo de cavalo. Lavei o rosto. Bebi água. Comprei um amendoim. Não estava com fome. Mas senti que ia precisar. O dia parecia mais longo que o habitual. Havia bastante subida. Os passos começaram a ficar mais devagar. Pesados. Olhando para o chão, avistei uma pequena borboleta marrom com pintinhas amarelas. Pousou do meu lado. Abriu as asas. Mostrou sua beleza e voou. O abrir e fechar das asas pareceu um “olá”. Foi como se ela tivesse sorrido pra mim. Sorri de volta. Isso me deu força. Continuei caminhando. Minha pressão baixou um pouco. Acho que foi o calor. Senti fraqueza. Passei por um pequeno dar. Bebi água. Sentei na cadeira para comer o pacote de amendoim. Me senti melhor. Segui. Veio mais uma subida. Eu estava cansada. A perna já doía. Aguentei firme. Faltava pouco. Passei pelo ponto onde fica a pedra que identifica o início da Galícia. Parei para um foto. Estava iniciando a última etapa do Caminho. Mais alguns quilômetros e finalmente avistei construções de pedra. Era “O Cebreiro”. Destino do dia. Lindo vilarejo. Tinha bastante gente passeando pelas pequenas ruas. Me senti na época medieval. Procurei pelo albergue municipal. Pedi informação para um simpático casal. Perguntei se sabiam onde ficava. Eles me informaram que não eram dali. Estavam apenas de passagem. A mulher me perguntou quantos quilômetros eu havia andado hoje. Disse que caminhei apenas 23km. Era “pouco” comparado a outros dias. Ela falou: “Nossa, como você consegue caminhar tudo isso e ainda sorrir no final do dia? Você parece tão bem disposta!” Falei que todos os dias me sinto vitoriosa quando chego ao meu destino. A  gratidão e a felicidade são sempre maiores que o cansaço. Ela sorriu e eu segui em busca do albergue. Finalmente encontrei. Entrei na fila. Estava grande. Eu estava exausta. Torcendo para ainda ter vaga quando chegasse minha vez. Havia um senhor francês na minha frente. Não falo sua Língua, mas entendo alguma coisa. Meu amigo que estava comigo (Borisz), fala muito bem seu idioma, então começaram a conversar. Ele contou que era de Nantes. Não acreditei. Achei uma enorme coincidência. Eu iria visitar um grande amigo que está morando nessa cidade depois que terminasse o Caminho. Ele me deu seu endereço e telefone. Disse que se eu precisasse de qualquer coisa quando estivesse lá, para entrar em contato com ele. Quanta gentileza. Anotei. Agradeci. Chegou minha vez. Consegui uma vaga. Fiquei aliviada. Fiz check-in. Peguei minha cama. Estava faminta. Decidi comer e aproveitar o dia. Fui em um charmoso restaurante com um amigo (Brosiz). Pedimos caldo galego (tradicional da região) e o tão famoso queijo do Cebreiro com mel de sobremesa. Me deleitei. Nunca comi nada igual. Gratidão pela dica da brasileira Tereza. Estava tudo maravilhoso. Havia um grupo de peregrinos muito alegre no restaurante. Me pediram para tirar uma foto. Um deles trouxe a câmera até mim. Peguei-a com intimidade. Que saudade que me deu da minha. Sou fotógrafa. Não trazer minha “filha” foi o primeiro grande desapego que fiz quando decidi fazer o Caminho. Ao segurá-la, abri um enorme sorriso. Meu coração ficou feliz. Quanta satisfação. Relembrei como amo o meu trabalho. Agradeci e dei valor ao que faço. A refeição estava saborosa. Fiquei satisfeita. Voltei pro albergue pra tomar banho. Reencontrei um amigo (Victor) que já não via fazia alguns dias. Ele comentou que quase desistiu de continuar o Caminho. Disse que após andar muitos quilômetros sem ver ninguém, um dia sentiu tédio. Jogou a mochila no chão. Sentou e começou a chorar. Achou que nada daquilo fazia sentido. Pensou: “O que estou fazendo aqui?” Não sei se encontrou uma resposta para sua pergunta. Mas decidiu continuar. Talvez a resposta estivesse lá no final. Dúvidas e questionamentos fazem parte da Jornada. Fiquei feliz por ele ter persistido. Espero que encontre o que esteja buscando. Esfriou. Coloquei o casaco. Dei uma volta pelo vilarejo. Procurei um lugar para comprar comida pro dia seguinte. Vi uma escada de pedra que levava até uma pequena venda com telhado de palha. Desci. Comprei banana e iogurte. Queria algo mais leve para o corpo. Subi as escadas. O simpático casal que eu havia conhecido quando cheguei, estava sentado em um bar e quando me viram, puxaram papo comigo. O nome da mulher era “Úna” (Irlandesa). Eles estavam fazendo o caminho de carro porque ela tinha feito uma recente operação no joelho. Disse que estava encantada e que gostaria muito de voltar no próximo ano para fazer o caminho a pé. Me perguntou sobre minha experiência. Compartilhei algumas histórias. Dei todas as dicas que podia. Trocamos nossos números de telefone. Falei que podia entrar em contato comigo sempre que quisesse para tirar qualquer outra dúvida. Me despedi. Vi um cachorro na porta de um albergue. Ele parecia velho e cansado. Mas tomava conta do local. Quando alguém se aproximava, ele logo encarava. Percebi que em quase todos vilarejos, tinha um cão assim. São os donos da rua. Veio o pôr-do-sol. O céu estava coberto por nuvens escuras. O amarelado fez um bonito contraste. Queria contemplar esse momento, mas o vento era tão forte e frio que não aguentei. Fui para dentro do albergue. Peguei o resto de vinho que ainda tinha guardado na mochila e tomei na caneca pra me esquentar. Sentei no refeitório. Comi um croissant e fiquei conversando com alguns amigos. Minha amiga russa estava com dor de garganta e gripada. Ofereci meu kit farmácia. Ela pegou tudo que precisava. Me agradeceu. Ficou tarde. O sono bateu. Fui pra cama. Deitei. Agradeci. Dormi.

Lição do Dia: “A fé nos faz crer no incrível, ver o invisível e realizar o impossível.”

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