Dia#17 | Caminho Francês
Dia#17
Distância: 25km
Tempo de caminhada: 5 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 10° / Máx: 25°
Saída: Reliegos
Chegada: León
Data: 23/09/2017
Palavra do Dia: Despedida
Acordei tarde hoje. Eram 6:00. Me arrumei e saí 6:40. Mais tarde do que de costume. Estava cansada. Precisava descansar um pouco mais. Caminhei um tempo no escuro. Menos que ontem. Comecei a acostumar com o frio matinal. Veio o nascer do sol. Lindo como sempre. Clareou. Longo silêncio. Ouvia apenas meus passos. Passei por uma torre de eletricidade. Pude ouvir o som da corrente elétrica. Incrível. Nunca havia ouvido antes. Talvez meus sentidos tenham ficado mais aguçados aqui. Caminhei 6.2km e cheguei no primeiro vilarejo do dia. Parei. Comi. Segui. Caminheiro por um tempo ao lado da estrada. Conseguia ouvir o barulho dos carros trocando de marcha. Realmente minha audição ficou mais sensível. Muita buzina de moto. Muita velocidade. Eles andam depressa. Eu vou devagar. Cheguei em outro vilarejo. Parei pra ir no banheiro. Ouvi alguém falando português. Disse: “Brasileira!” Uma delas sorriu pra mim e disse que era de Cataguases. Mesma cidade no interior de minas onde minha mãe nasceu. Que coincidência. Mundo pequeno. Mora em Juiz de Fora. Cidade de onde vem metade da minha família. Perguntei se ela conhecia a banda dos meus primos chamada “Três Dias”. Ela disse que sim. Achei o máximo. Ela pediu pra tirar uma foto comigo. Registramos o encontro. Tirei uma com meu celular também. Segui em frente. Um pouco depois conheci uma senhora americana. Vestia um tênis com um lindo tom de azul que me chamou atenção. Seu nome era Gail. Nasceu em Washington. Devia ter uns 60 e poucos anos. Era magrinha. Elegante. Alegre. Cheia de vida. Muitos sonhos. Planos. Aventureira. Gosta de viajar. Me vi nela daqui a alguns anos. Veio fazer o caminho de santiago e o marido ficou em casa cuidando dos gatos. Ela disse que ele não sai de casa. O jeito que ela falou isso foi engraçado. Ri alto. Falou que sua próxima aventura será voar de balão. Quer viajar por uma semana pelos ares da França. Ela sabe como viver. Disse que quando os gatos morrerem, talvez ela consiga viajar com o marido. Espirituosa. Adoro gente assim. Me inspira. Quero envelhecer como ela. Nos despedimos. Segui meu caminho. Andei mais alguns quilômetros e cheguei em León. Meu destino do dia. Ainda era cedo. Meio dia. Andei 25km em 5 horas. O ritmo foi bom. Cheguei no albergue que procurava. Era um monastério. Enorme. Fila grande. Olhei para frente e vi meu amigo Espanhol (José) na fila. Dei um enorme sorriso. Fui falar com ele. Já não o via fazia 4 dias. Lhe dei um abraço. Estava com saudade. Fiquei feliz em reencontrá-lo. Começamos a conversar. Ele me contou que estava pensando em trocar de rota no dia seguinte. Queria seguir pelo Caminho Primitivo. Fiquei triste por dentro. Gosto da sua companhia. Chegou a nossa vez na fila. Consegui uma cama. Número 88. Meu número da sorte. O número 8 na horizontal é o símbolo do infinito. 88 pra mim são duas vezes o infinito. Adoro isso. Li uma frase na hora de fazer o check-in que me chamou a atenção. “Turistas exigem. Peregrinos agradecem.” Concordo totalmente. Sou sempre grata por ter uma cama pra dormir. Isso basta por aqui. Fui pro quarto. Arrumei minhas coisas e fui para a porta do albergue. Encontrei o Espanhol e reencontrei minha amiga Americana (Alex). Sentamos os três pra tomar um vinho no bar ao lado. Brindamos ao nosso reencontro. Ganhamos “tapas” de brinde. Comemos. Chegou mais um amigo (Borisz, Húngaro). Decidimos dar uma volta. Estávamos todos famintos. O Espanhol e o Húngaro quiseram comer sanduíche em uma lanchonete. Eu e Alex fizemos companhia e depois sentamos em outro bar na frente da Catedral para comer e beber mais alguma coisa. Pedi um croissant e mais uma taça de vinho. Outro brinde. Vários amigos que já não via fazia alguns dias foram chegando e sentando na mesa. Viramos um grupo grande. Quase todos os amigos que fiz no Caminho estavam alí reunidos. Éramos uns quinze. Eu estava muito feliz. Foi muito bom reencontrá-los. Mais vinho. Mais brinde. Mais confraternização. Abraços. Sorrisos. Histórias. Meu amigo italiano (Mattia) foi comigo até em uma pequena máquina que gravava o desenho da Cadetral de León em uma moeda e me deu de presente como recordação. Agradeci. Sorri. Lhe dei um abraço. Voltamos para mesa onde todos estavam reunidos e falei: “Picture Time”! Hora de eternizar esse momento. Essa era minha frase favorita no Caminho. Como sou fotógrafa, adorava registrar tudo. Todos brincavam comigo dizendo isso quando me viam. Registramos. Veio o pôr-do-sol. Decidimos comprar mais alguma coisa no mercado pra comer sentado na praça. Sentamos perto do chafariz. Tive uma conversa especial com o espanhol alí. Falei coisas da minha vida que ainda não havia conversado com ninguém. Foi bom. Abri meu coração. Ouvi coisas boas também. Ele disse que tenho maturidade de mulher e alegria de menina. Guardei essa frase. É bom saber como outras pessoas nos enxergam. Fiquei feliz pelas palavras. Meus olhos ficaram cheios d’água. Retribui com um abraço. Ele disse que decidiu realmente ia trocar de rota no dia seguinte. Perguntou se eu queria seguir com ele. Meu coração dizia que sim, mas minha razão disse que não. No Caminho, cada um tem sua busca. Por algum motivo ele precisava mudar a direção e eu precisava manter a minha. Quem sabe nos reencontrávamos no final? Ele disse que essa não seria a última vez que a gente se via. Prometeu que se a gente não se encontrasse em Santiago, nos encontraríamos no Brasil, na Espanha ou em qualquer outro lugar do mundo, mas a gente ainda ia se reencontrar. “Deal”. Promessa feita. Promessa aceita. Demos mais uma volta. Compramos um doce. Estava uma delícia. Eu estava muito feliz. Foi um dia especial. Gostei desse lugar. Era sábado. Tava animado. Muito jovem na rua. Muita vida. Arquitetura antiga. Amigos. Encontros. Reencontros. Despedidas. Coração cheio. Energia leve. Muita vida. Voltamos pro albergue. Já estava escuro. Entrei. Deitei. Tentei escrever um bilhete de despedida para o Espanhol. Estava muito escuro. Não consegui. Deixei para o dia seguinte. Rezei. Agradeci. Dormi.
Lição do dia: Love yourself !
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