Dia#16 | Caminho Francês

Dia#16
Distância: 42km
Tempo de caminhada: 10 horas
Clima: Vento / Sol
Temperatura: Mín: 10° / Máx: 25°
Saída: San Nicolás del Real Camino
Chegada: Reliegos
Data: 22/09/2017
Palavra do Dia: Exagero
Acordei 5:30. Arrumei minhas coisas. Saí junto com um amigo. Ainda estava escuro. Frio. Mas não tanto como nos dias anteriores. Ventava bastante. Vesti o capuz do casaco para esquentar a orelha. Coloquei as luvas e a gola de lã. Fiquei confortável. O céu como sempre estava muito estrelado. Vi mais uma estrela cadente. Fiz mais um pedido. O mesmo de sempre. Caminhamos por quase 2h usando a lanterna. Estava bem escuro. De acordo com o que já havíamos caminhado faltava apenas 2km para chegarmos ao primeiro destino. Mas não vimos nenhuma seta já fazia um tempo. Achei estranho. Senti medo pela primeira vez. Paramos. Percebi que estávamos no caminho errado. Perdidos. No escuro. Pela primeira vez. Fiquei assustada. Mas nada de pânico. Resolvemos voltar. Andamos mais 2km de volta. Clareou. Vimos a seta correta quando chegamos na beira da estrada. Apontava para um atalho um metro à frente de onde entramos. Erramos por pouco. Acontece. Pensei sobre a vida. Às vezes, cometemos pequenos erros e podemos voltar atrás para consertar. Quando o erro é grande demais, pode não haver mais como voltar, mas o novo caminho pode levar a outro destino. Reflexão. Andamos um pouco mais e chegamos em um vilarejo. Vi uma caixa de leite no chão. A marca era “Gustosa”. Me lembrei do espanhol. Eu o ensinei a falar “gostosa” em português e ele sempre dizia “gustosa”. Era engraçado. Achei coincidência encontrar um leite com esse nome. Tirei uma foto e mandei pra ele. Estou com saudade da sua companhia. Encontrei um pequeno bar. Parei para comer. Lugar aconchegante. A atendente era muito simpática. Tinha bonitos dizeres na parede do lado de fora. Palavras pintadas em placas de madeira. Pensei sobre elas. Tirei foto. Seguimos em frente. Andávamos rápido hoje. Vi uma pequena capela do meu lado direito. Desviei da rota e entrei para rezar. Agradeci por estar alí. Segui. Parei 4.8km adiante. Outro vilarejo. Estava com fome. Pedi uma tortilha. Encontrei alguns amigos. Me chamaram pra sentar com eles. Compartilhamos experiências especiais que tivemos no caminho. Falei sobre o dia do meu perdão. A Russa (Tânia) se emocionou. Ficou com os olhos cheios d’agua. Falou que precisava ouvir isso. Tinha brigado com a mãe. Disse que queria fazer as pazes. Me agradeceu. Segui viagem. Caminhei mais 6km. Parei outra vez em um pequeno vilarejo. Fui no banheiro. Bebi água. O sol estava muito forte. Descansei 10 minutos e continuei. Caminhei mais 7.6km em linha reta. Cheguei em um vilarejo. Vi uma cesta de basquete na parede de um albergue. Me lembrei do meu amigo Esloveno (Gasper). Ele é viciado em basquete. Tirei uma foto pra mandar pra ele. Parei para descansar em um pequeno bar. Comprei um gatorade. Estava muito quente. É importante se hidratar. Encontrei a Russa (Tânia) de novo. Ela pediu pra me dar um abraço. Sorri e abri os braços. Ela me agradeceu. Contou que mandou uma mensagem pra mãe dela dizendo que a amava. Fizeram as pazes. Fiquei muito feliz. Ela me disse algo que também não vou esquecer. Durante o caminho. “Refletimos com a mente. Compartilhamos com a boca e agimos com o coração.” Lindo isso! Guardei pra mim. Mais um aprendizado. Aqui você dá e recebe o tempo todo. É só estar aberto. Segui viagem. Mais 13km me esperavam. Longa caminhada. Sem vilarejos pelo caminho. Reta infinita. Confirmei que os dois dias mais planos e “fáceis” para caminhar, foram os mais difíceis mentalmente. Desafios tornam a jornada muito mais interessante. É gostosa a sensação de superação. Dá motivação para seguir em frente. Momento de reflexão. Andei. Andei. Andei. A perna começou a cansar. Não estava com fome. Mas sabia que precisava comer. O Copro precisa de energia pra continuar. Aqui ficamos íntimos de nós mesmos. Aprendemos a identificar nossas necessidades. Comi “croissant” de chocolate que tinha na mochila. Aliás, comi dois. Bebi mais água e  acabei com o restante do gatorade. Descansei alguns minutos na sombra de algumas árvores e depois continuei. Andei mais. E mais. E mais. Não chegava nunca. Senti cansaço. Exaustão. Comi mais dois croissants da mochila. Veio uma curva. Senti esperança. Mudar a direção podia ser um bom sinal. Mas não foi. Veio mais uma longa reta. Segui. Avistei um nova curva adiante. Agora sim. Quando virei, vi um vilarejo. Senti uma fisgada na batata da perna. Não conseguiria mais andar se ainda faltasse muito. Senti alívio. Faltava pouco. Hoje eu exagerei. Sem necessidade. Podia ter andado menos. Conhecer nosso corpo é importante. Respeitar nossos limites é essencial. Mais um aprendizado. Fiz check-in. O hospitaleiro era muito simpático. Um senhor. Seu nome era Pedro. Perguntou se eu era brasileira. Disse que sim e perguntei como ele sabia. Falou que todas as brasileiras são “muy guapas y simpáticas.” Sorri. Agradeci. Me explicou as regras do albergue. Tirei o tênis. Senti aquele alívio. Conheci o espaço. Cheguei no quarto. Coloquei a mochila no canto. Fui direto pro banho. Precisava me refrescar. Já estava tarde. Quase 17:00. Caminhei 42km hoje. Foram 10 horas de caminhada. O dia mais longo até agora. Ainda estava sol. Lavei o cabelo. Dava tempo de secar antes de dormir. Lavei toda minha roupa também. Não tinha mais nada limpo. Estendi no varal do jardim. Sentei na varanda com alguns amigos. Fiquei conversando enquanto cuidava do meu pé. Ele fica castigado aqui. Coloquei em uma bacia de água pra relaxar. Passei hidratante e cortei as unhas. Decidi comer o menu do peregrino. Não era barato, mas me dei de presente hoje. O albergue era vegano. Eu não como carne. Paulo  disse que a cozinheira era brasileira. Me senti no paraíso. Quando ela veio trazer o meu prato, falou comigo com um sotaque espanhol: “Você que é a brasileira?” Falei que sim e perguntei como sabia. Ela disse que o Paulo avisou para ela entregar esse prato para a brasileira que tem o maior sorriso da mesa. Sorri ainda mais. Quanta simpatia. Ela era paulista. Veio pra cá com 7 anos. Já até esqueceu o português.  Levantei para agradecer pela comida. Me deu um forte abraço e um beijo na bochecha. O carinho brasileiro está no sangue. Comi salada e legumes com pesto. Estava delicioso. A sobremesa era um iogurte de frutas. Foi bom comer com todo mundo. Comunhão. Confraternização. Hora da foto. Recordação. Depois do jantar, fiquei de papo com o Pedro. Disse que adorei os quadros do albergue. Ele contou que foi a filha dele que pintou. Ela tem síndrome de down. O albergue leva seu nome: “Ada”. Linda homenagem. Fui até a cozinha e tirei uma foto com ele e a cozinheira antes de dormir. Ele me pediu para enviar nossa foto pro seu e-mail. Enviei na mesma hora. Lhe dei um forte abraço. Agradeci pela comida e pelo acolhimento. Ele me desejou “Buen Camino” aqui e na vida! Agradeci mais uma. Fui para o quarto. Rezei. Escrevi. Dormi.

Aprendizado do dia: Aprender a respeitar os limites do corpo. Não exagerar.

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