Dia#13 | Caminho Francês

Dia#13
Distância: 28.5km
Tempo de caminhada: 8h
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 5° / Máx: 21°
Saída: Hontanas
Chegada: Boadilla del Camino
Data: 19/09/2017
Palavra do Dia: Escolhas

Acordei cedo. Me arrumei. Não sabia se começava a caminhar com meu amigo Húngaro que já estava de saída ou se esperava o Espanhol que sairia um pouco mais tarde. Gosto da sua companhia. Havia combinado de caminharmos juntos hoje. Tive dúvida. Hora de aprender a fazer minhas escolhas. Eu já estava acordada e pronta. O Espanhol ainda estava dormindo. Decidi começar a caminhar. De repente, nos encontrávamos pelo Caminho como de costume. Estava muito frio de novo. Minha mão estava congelando mais uma vez. Coloquei duas luvas. Não adiantou. Peguei minha manta na mochila. Enrolei minhas mãos. Estava toda coberta. Só os olhos de fora. Parecia um “ninja”. Mesmo assim não adiantou. Sem sucesso. Não tinha escolha. Continuei andando. Talvez precise começar a caminhar um pouco mais tarde amanhã. É menos frio depois que o sol nasce. Aliás, o nascer do sol hoje foi um dos mais lindos do meu Caminho. Olhando para trás, ele parecia uma bola de fogo no horizonte. Trazendo luz, calor e despertando a natureza. Que dia maravilhoso! Olhando para frente, havia nevoeiro. Deixava a paisagem com um ar bucólico. A vida é assim mesmo. Às vezes, parece linda quando olhamos para trás e vemos as boas lembranças do passado, e outras, parece turva quando olhamos para nosso futuro e não sabemos o que nos espera. Tudo aqui parece uma metáfora. Avisei o que parecia ser uma Igreja ou Ruínas no alto de um morro. Me deu vontade de ir até lá. Teria que sair alguns quilômetros da rota. Estava com muito frio. Acabei não indo. Mas fiquei com aquilo na cabeça. Alguma coisa me chamava para aquele lugar. Segui com o coração apertado. Depois de 10km, cheguei no primeiro vilarejo. Entrei em um bar pra me esquentar. Pedi café e tortilha. Me recuperei do frio. Depois de alimentada, segui em frente. Veio uma subida. O Húngaro que estava caminhando comigo avançou. Ele caminha muito mais rápido que eu em subidas. Eu sinto falta de ar. Preciso subir devagar. Vendo ele se distanciar, pensei que poderia não vê-lo mais. Lembrei porque estou aqui. Preciso aprender “how to let it go”. Desapego emocional. Esse é o meu maior desafio. Coloquei o ipod para me dar ânimo. Qual foi a primeira música que tocou aleatoriamente? James Blunt. “…and you let it go…” Não é possível. Nada acontece por acaso. A sensibilidade aqui fica à flor da pele. Tudo tem um significado. Foi um sinal. Uma confirmação. Me emocionei. Chorei. Cheguei ao topo. Que vista linda! Imensidão! Me senti pequena. E abraçada pela natureza. Forte conexão. Dei mais alguns passos e lá estava ele. Meu amigo peregrino. Me esperando. Pela segunda vez ele fez isso. Me senti acolhida. Senti confiança. Preciso aprender a confiar de novo nas pessoas. Lição aprendida. Ele me mostrou uma frase escrita em um mural: “Love is the answer.” Desabei de tanto chorar. Alguma coisa saiu do meu peito naquele momento. Sentei. Havia comentado com ele já fazia alguns dias que eu precisava escrever essa frase em algum lugar do caminho pra alguém. Alguém precisava ler isso. Naquele segundo, entendi que a frase era pra mim mesma. Eu precisava lembrar que o amor é a resposta. Pra TUDO. Inacreditável. Mágico. Pequeno milagre. Às vezes, a resposta está dentro de nós. Novo aprendizado. Temos que olhar para dentro. Ouvir nossa intuição. Respirei fundo. Senti leveza. Paz. Depois de recuperar o fôlego após uma descarga de emoção, era hora de continuar. Senti uma alegria imensa. Até a mochila ficou mais leve. Entendi que felicidade é um estado de espírito. Estava plena. Conversamos sobre o amor. Sobre a força de um abraço. Sobre energia. Sobre trocas. Passei por uma pequena capela. Um simpático homem me convidou para entrar. Ele era italiano. Alegre. Entrei. Rezei. Agradeci. Enchi minha garrafa de água. Água da igreja. Água benta. Saí da capela. O italiano falou em espanhol para alguns peregrinos do meu lado que tinha muitos amigos brasileiros. Falei que eu era brasileira também. Abriu um enorme sorriso. Perguntou de que lugar do Brasil eu era. Falei que era do Rio. Ele começou a sambar! Eu reclamo dos problemas do Brasil, mas acho que nosso país tem algo de mágico. TODAS as pessoas do caminho abrem um enorme sorriso quando digo de onde sou e dizem: “Wowww… Brasil? Rio? Amazing!” Bom ver esse carinho. Me sinto acolhida. Essa pequena capela ficava próxima a placa que dizia que estávamos entrando na Região de Palência. Grandes retas com enormes plantações de trigo. Depois de mais 10km cheguei em um simples vilarejo. Encontrei um pequeno mercado. Comprei croissant, queijo e chocolate. Comida comum por aqui. Almoçei no banco da rua. Um cachorro me assistia como se estivesse vendo um programa de televisão. Dei um pedaço de queijo pra ele. Abanou o rabo. Ficou feliz. Encontrei um casal Canadense que sempre esbarrava pelo Caminho. Eles estavam acampando, então os encontrava normalmente no meio do nada. Registramos esse momento. Segui em frente. Caminhei quase mais 10km. O próximo destino parecia não chegar nunca. Tava calor. Muito sol. Tirei o casaco. O dia ficou bem quente. Avistei em um pequeno vilarejo. Não pretendia ficar alí. Mas uma forte energia me atraiu para entrar em um dos albergues. Parei na entrada e vi um jardim verde e florido lá no fundo. Falei em voz alta: “Nice place!” Um simpático homem passou correndo por mim e falou “é bonitinho” e entrou. Como ele sabia que eu era brasileira? Fiquei encucada. Sorri. Entrei. Muito verde. Piscina. Passarinhos cantando. Clima gostoso. Parecia um pequeno pedaço do paraíso no meio dessa imensidão. Um verdadeiro oásis. Eu pretendia andar mais hoje. Fico ou não fico? Tinha cama. Fiquei. Fiz check-in. O dono sabia falar português. Aliás, ele falava umas seis Línguas. Muito simpático e comunicativo. Peguei minha cama. Arrumei minhas coisas. Tomei um banho quente. Lavei minha roupa. Estendi no varal pra aproveitar o lindo dia de sol. Sentei na beira da piscina com alguns amigos. Deitei na grama pra relaxar. O sol recarrega minhas energias. O canto dos pássaros parecia de conto de fadas. Fiquei alí por duas horas. Conheci alguns brasileiros. Conversamos um pouco. Levantei para pegar um casaco. Indo para o quarto, uma simpática menina de rosa sorriu e puxou papo comigo. Seu nome era Alexandra (Americana). Ela me chamou pra sentar na mesma mesa com ela e começamos a conversar. Quanta alegria. Ela era cheia de vida. Na mesa ao lado, era aniversário de uma peregrina. Seu nome era Tânia (Russa). Ela estava fazendo 40 anos. Me convidou para sentar na sua mesa e comemorar com ela. Me ofereceu um pedaço de um doce. Aceitei. Partilha. Ela estava muito feliz. Sorriso enorme no rosto. Era fim de tarde. Ela sentou com outro peregrinos para fazer Yoga no gramado. Me convidou. Eu estava com fome. Quis dar uma volta pelo vilarejo pra encontrar um cantinho sossegado onde eu pudesse fazer um lanche com o que tinha na mochila. Sentei de frente pro sol. Comi um sanduíche que sobrou do meu almoço. Fiquei alí até o sol se pôr. O horizonte ficou pequeno. Parecia novamente uma bola de fogo. Presente de Deus. Agradeci. Esfriou. Voltei pro albergue. Mandei uma foto desse luga lindo pro meu irmão. Descobri que esse foi o albergue que ele ficou no dia do seu aniversário dois anos antes quando fez o caminho de santiago. Ele me enviou uma foto fazendo um brinde com cerveja quando estava aqui. Repeti a foto e mandei de volta. Mostrei as duas fotos pro simpático dono do albergue. Ele lembrou do meu irmão. Perguntou se ele ainda tava morando na Europa. Eu disse que sim. Estava morando em Portugal. Tiramos uma foto pra mandar pra ele. Disse que conhece Niterói. Já foi até no Porcão (Churrascaria famosa da minha Cidade). Que mundo pequeno! Pedi um vinho. Brindei com minha nova amiga do caminho Alexandra que me pediu para lhe chamar de “Alex”. Ela é de Los Angeles. Super simpática. 27 anos. Energia leve. Muito agradável. Ficou tarde. Estávamos no mesmo quarto. Fomos dormir. Lembrei que minhas roupas ainda estavam no varal. Fui buscar. Não encontrei minha calça de caminhada. Só trouxe ela. Eu não tinha outra. Apenas uma legging que usava para dormir. Bateu pânico! O que fazer? Imaginei que alguém pegou por engano. Escrevi dois bilhetes. Deixei um na porta dos quartos e outro na mesa do café. Mantive a esperança e o otimismo. Não tinha muito o que fazer. Amanhã vão me devolver. Olhei para o céu. Quanta estrela! Fazia tempo que não via o céu assim. Às vezes, é preciso do escuro para encontrar a luz. Mais uma metáfora. Estar sozinho, aumenta seus sentidos. É o instinto de proteção. Ficamos mais atentos. Dependemos de nós mesmos. Me senti conectada com a imensidão do universo. Até me esqueci da calça. Agradeci por tê-la deixado do lado de fora. Me permitiu ver o céu. Decidi voltar para o quarto. A porta do albergue já estava trancada. Não acreditei. Bati na porta. Três tentativas. Tava frio. Não podia ficar do lado de fora. Alguém me ouviu. Abriu pra mim. Agradeci. Subi. Rezei. Dormi.

Aprendizado do dia: Aprender a confiar nas pessoas e manter o otimismo em qualquer circunstância!

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