Dia#08 | Caminho Francês
Acordei às 5:30. Tive uma boa noite de sono. Arrumei minhas coisas. Mochila pronta. Água na garrafa. Comida para o dia. Comecei a caminhar 6:00. Ainda estava escuro. O cheiro de estrume de cavalo me acompanhou nos primeiros quilômetros. Passei por uma área rural. É bom estar no meio da natureza. Segui os passos de um novo amigo com uma lanterna na minha frente. De repente, vi uma pequena pedra em formato de coração. AMOR. Ele está presente em tudo. Uma lembrança para nunca deixar de amar. Bateu fome. Peguei um folheado que tinha na mochila. Comi. Clareou. Tava nublado. Frio gostoso. Parecia que ia chover. Avistei umas pedras no chão que formavam uma frase dizendo: “Don’t worry, be happy”. Sorri. Pode chover. Não tem problema. A paisagem era plana. Música no ipod. Pensamentos. Reflexões. Dúvidas. Choro. Um peregrino se aproximou. Espanhol. Seu nome era José. Tinha 27 anos. Sorriso largo no rosto. Ele puxou assunto. Começamos a conversar. Guardei o ipod. O choro foi embora. Sorri. Fiquei leve. Paramos para um café quente. Começou a chuva. Botei a capa na mochila. Vesti a calça impermeável. Coloquei um casaco para cortar o vento e vesti o capuz. Tava frio. Choveu sem parar o dia todo. Ora mais forte, ora mais fraco. Mas a chuva foi nossa companhia. O papo estava tão agradável que nem vi a hora passar. Em um determinado momento, olhei para o Espanhol e senti paz. Vi pureza no seu olhar. Verdade no seu sorriso. Não sei muito bem explicar. Mas vi algo diferente nele. Sorri por dentro. Agradeci à Deus. Fazia dois anos que eu não sentia absolutamente nada. Senti esperança. Quem sabe um dia posso me interessar por alguém de novo? Fiquei feliz. Continuei caminhando. No meio do caminho reencontrei um querido amigo italiano (Mattia). Eu gritei seu nome. Ele olhou para trás e abriu um enorme sorriso. Era uma subida. Ele estava no alto e eu mais em baixo. Corremos em direção ao outro para um abraço. Ele me levantou e me rodou do ar. Quanta alegria! Foi bom vê-lo novamente. Já estava com saudades. Ele dizia que eu era como uma irmã mais nova. Estava com mais duas novas amigas italianas (Sarah e Martha) e um Indiano (Mayuresh). Pre apresentou pra eles. Seguimos todos juntos. O grupo ficou grande. Éramos sete. A energia estava boa. O tempo passou rápido. Mesmo com chuva, andei 27.9km em 6 horas. O corpo começou a acostumar com o ritmo. Acho que sem sol, também paro menos para tirar foto e admirar a paisagem. Ando mais rápido para esquentar e chegar ao destino final. Chegamos em um vilarejo. Encontramos um humilde albergue. Paramos. Notícia boa. Tinha cama livre. Várias. Chegamos cedo, 12:30. Nunca caminhei tanto em tão pouco tempo e sem sentir. Fiz check-in. Primeiro dia que consigo vaga em um albergue onde o pagamento é “donation”. Você paga o que achar justo pela cama, janta e café. Dei minha contribuição. Peguei minha cama. Fomos comer no bar ao lado. Estava tocando uma música ambiente agradável. Adorei aquele lugar. Sentamos todos em uma grande mesa. Compartilhamos com outros peregrinos que já estavam por lá. Pedi uma “bruscetta”. Estava deliciosa. A comida mais saborosa que comi por aqui. Matei a fome. Pedi duas taças de vinho para brindar com meu novo amigo Espanhol que estava sentado do meu lado. Cada um disse uma palavra. Brindamos à vida. Brindamos aos encontros inesperados. Conversamos por horas. Decidimos pedir uma garrafa de vinho. Guardei a rolha. Escrevi nossos nomes, a data e o local. Costumo fazer isso quando o momento é especial. Levei esse comigo. Passamos a tarde juntos. Compartilhamos nossas histórias. Sorrimos. Estávamos todos muito felizes. De repente, avistei Gasper (Esloveno) pela janela. Chamei pelo seu nome. Ele parou, abriu um enorme sorriso e acenou pra mim. Entrou no bar. Falei para ele sentar conosco. Ele parecia cansado. Fui até o albergue perguntar se ainda havia mais uma cama. A hospitaleira disse que tinha. Ele decidiu ficar. Tirou o tênis. Estava com uma bolha enorme no pé. Não dava mais para andar. Um pouco depois, David apareceu. Outro amigo italiano. Sempre com um sorriso enorme no rosto. Foi um dia de reencontros. Depois de muito papo, a atendente do bar disse que ia fechar. Fomos pro albergue. Peguei minha cama. Ficava no sótão. Que lugar simples, gostoso e charmoso. Agora sim estava me sentindo uma verdadeira peregrina. Esse albergue, era na verdade, a casa de um casal que abria suas portas para nos receber. Diariamente, ajudavam os que passavam lhes oferecendo cama, comida e banho quente. O que esperam em troca? Amor, gratidão e qualquer contribuição. Peguei minha cama. Hora do banho quente e roupa limpa. Coloquei o tênis pra secar na lareira. Não lavei roupa hoje. Não ia dar tempo de secar. Ainda tinha uma extra na mochila. Então estava tudo bem. Desci para o local onde ficava a lareira. O Esloveno estava sofrendo com sua bolha. Peguei uma agulha e uma linha que tinha na mochila e a hospitaleira se ofereceu para ajudar. Ele segurou minha mão forte enquanto ela estourava a bolha. Pronto, a bolha estourou. Ele deu um berro! Depois sorriu aliviado. Amanhã estaria melhor. Mais compaixão. Senti cheiro de comida caseira no ar. A janta estava ficando pronta. Ofereci ajuda. Arrumei a mesa e a hospitaleira pediu para eu ajudá-la a trazer a comida. Fomos até um portão grande do lado de fora do albergue e peguei uma fornada de pão saindo do forno industrial e levei pra mesa. Cheirava maravilhosamente bem. Ela trouxe os outros pratos. O jantar era comunitário. Peregrinos de todos os lugares do mundo comendo junto. Aqui, somos todos diferentes, porém, iguais. Somos todos peregrinos. Momento fraterno. Brindamos de novo. Mais vinho. Hora de lavar a louça. Cada um lava o seu. Hoje tinha jogo da semi-final de basquete: Espanha x Eslovênia. Dois peregrinos desses países queriam assistir. Procuramos um bar onde estivesse passando. Encontramos. Entramos. Os meninos pediram cerveja. Eu fiquei na água e o Espanhol no suco de laranja. Chega de beber por hoje. Ficamos de papo. Ele não ligava pra Basquete. Mas o Esloveno era enlouquecido. A Eslovênia ganhou. Ele ficou MUITO feliz! Era viciado em basquete. Sua alegria era contagiante. Fiquei feliz pela sua felicidade! Ficou tarde. Hora de dormir. Frio. MUITO frio. Noite mais fria até agora. 2 calças. 2 blusas. 2 casacos. 2 Meias. Uma coberta. Me encolhi. Rezei. Agradeci. Dormi.
Aprendizado do dia: Com boa companhia, o que parece difícil fica fácil. Dia de chuva não rende muitas fotos, mas as boas lembranças são inesquecíveis e ficam gravadas na memória para sempre.
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