Dia#05 | Caminho Francês

Dia#5
Distância: 29.8km
Tempo de caminhada: 10 horas
Clima: Chuva / Nublado / Sol
Temperatura: Mín: 17° / Máx: 28°
Saída: Lorka
Chegada: Los Arcos
Data: 11/09/2017
Palavra do dia: Perdão

Acordei às 5:00. Não dormi bem essa noite. Muito ronco no quarto. Estava doida para levantar e começar a caminhar. Muito melhor do que ficar rolando na cama. Arrumei minhas coisas com cuidado para não acordar os outros peregrinos. Esperei pelo novo grupo de amigos na porta do albergue. Combinamos de sair todos juntos. Éramos um grupo grande hoje. Estávamos animados. Alegres. Muita energia. Caminhamos alguns quilômetros no escuro. Vimos o nascer do sol. Lindo! Chegamos no primeiro vilarejo. Paramos para comer. Estávamos todos famintos. Pedi uma tortilha como sempre e um café quente. Croissant de chocolate de sobremesa. Quanta alegria estar na companhia de todos os primeiros amigos que fiz no caminho! Parecíamos amigos de longa data. Tudo é mais intenso por aqui. Laços fortes. Conexão. Sintonia. Energia. Após meia hora de confraternização no café da manhã e muita risada, continuamos andando. Uma parte do grupo se dispersou pelo caminho. Nos separamos. De repente, nos deparamos com a tão esperada Fonte de Vinho que tem no Caminho. É uma fonte onde pode-se beber vinho à vontade. Ainda estava de manhã. Era cedo. Tomei apenas um gole para celebrar com os novos amigos. Tiramos fotos. Continuamos. A paisagem era bonita. Encontrei um balanço. Sentei. Me embalei. Me senti livre. Esse é o meu lado de menina. Segui em frente. Parei mais adiante. Bebi água e comi. Estava pronta pra continuar. Agora, éramos só quatro. Avistei o que parecia ser uma pequena casa. Algo me atraiu para aquele lugar. Parei. Olhei. Era aberto. Tinha uma escadaria para baixo e água no fundo. Uma espécie de aquário. Alguns peixes. Me lembrou aqueles chafarizes onde as pessoas jogam moedas e fazem um pedido. Não queria jogar moeda. Queria deixar uma das duas pedras que trouxe do Brasil naquele lugar. Me arrepiei. Era alí onde ficaria o meu perdão. Abri a mochila. Peguei a pedra. A segurei firme na palma da mão. Pensei em tudo que gostaria de dizer para uma pessoa que eu precisava perdoar. Conversei com meus pensamentos. Pedi para que Deus enviasse meu perdão para o coração dessa pessoa. Disse em voz alta “eu te perdôo” e joguei a pedra na água. Senti que toda minha dor foi embora naquele som da pedra ao tocar a água. Pronto. Acabou. A dor ficou lá no fundo. Afogada pra sempre. Chega. Estava na hora de sarar a ferida. Foi preciso algumas tentativas antes de conseguir dizer essa frase em voz alta. Tinha um nó na minha garganta. Mas eu consegui. Senti orgulho de mim. Era pra ser aqui. Desci a escada. Naquela mesma água onde deixei minha mágoa, molhei minhas mãos e com o polegar direito, fiz o sinal da cruz na minha testa. Sentei. Chorei. Chorei muito. Chorei alto. De soluçar. Aquele choro que você chega a ficar sem ar. Estava vindo lá de dentro. Um amigo sentou do meu lado e me deu um abraço. Encostei no seu ombro. Me acalmei. Fiquei leve. Ele levantou e me estendeu a mão. Me ajudou a levantar. Às vezes, precisamos de ajuda. Agradeci. Segui adiante. Prometi não olhar para trás. Veio uma longa e interminável reta de caminhada. Bateu um cansaço. Meu amigo Canadense (Jonathan) começou a cantar pra nos animar. Quem canta seus males espanta. Me senti em um musical da Disney. Ele era uma pessoa caricata. Carismática. Todo mundo gostava dele. Chamávamos ele de “Man Show” (ele era o cara do entretenimento). Continuamos andando. De repente, um amigo do caminho se aproximou e me deu a mão. Não entendi muito bem aquele gesto. Mas sorri pra ele. Andamos alguns metros de mãos dadas. Me senti no jardim de infância. Percebi que o Caminho estava querendo me mostrar alguma coisa. Eu tinha vindo para caminhar sozinha. Aprender a ficar somente comigo e com meus pensamentos. Minha companhia seria o silêncio. Nesse momento, entendi que minha lição aqui era outra. Era aprender a andar ao lado de alguém novamente. Aprender a não querer ficar sozinha. Era uma metáfora. Compreendi.
Chegamos em Los Arcos. Local árido e seco. Encontrei um albergue. Perguntei se tinha vaga. Pegamos as últimas três camas. Graças a Deus. Estava completamente exausta. Senti um alívio. Quando estava fazendo o check-in um amigo italiano (David) me viu e comprou uma cerveja pra mim. Disse que era pra brindar. Não bebo cerveja. Mas como negar? Aceitei. Brindei. Bebi. Reencontrei outros amigos. Sentamos em uma gostosa área aberta do albergue. Tinha uma espécia de piscina com um palmo de altura para colocar os pés na água gelada e relaxar. Sentei alí. Fiquei por alguns minutos. Bateu fome. Tomei banho. Fomos comer todos juntos. Andamos até o centro do Vilarejo. As mesas estavam lotadas. Já era tarde. Encontramos uma mesa aqui. Outra alí. Outra acolá. Juntamos tudo. Pegamos umas cadeiras espalhadas e formamos a nossa. Que mesa animada! Quanta energia em um só lugar. Devíamos ser umas 10 pessoas. Muitas gargalhadas. Alguns não se conheciam. Nos apresentamos. Cada um falou seu nome e de onde era. Paco, um americano engraçadíssimo filmou esse momento. Era uma mesa eclética. Gente do mundo todo. Itália, Inglaterra, Hungria, Canadá, EUA, Áustria, Alemanha e Brasil. Uma miscelânea. Muitas Línguas diferentes. Uma coisa em comum. Éramos todos peregrinos. Santiago nos unia. O garçom chegou. Pedimos a comida. Estava faminta. O sol foi embora. Comecei a sentir frio. Estava ventando muito. Me encolhi toda. Uma peregrina da Áustria foi no albergue e trouxe uma manta pra mim sem me avisar. Agradável surpresa. Não acreditei. Compaixão mais uma vez. Me enrolei. Melhorei. A comida de todo mundo chegou depois de um bom tempo esperando. Menos a minha. Não chegava nunca. Eu já estava quase chorando de tanta fome. Perguntei algumas vezes para o garçom porque só faltava a minha. Ele pedia desculpas e falava que ia ver o que estava acontecendo. Nada de chegar. Depois de DUAS horas esperando, a comida finalmente chegou. Veio uma porção pequena. Prato raso de arroz com cogumelos. Estava uma delícia, mas não matou minha fome. Agradeci mesmo assim. A boa companhia compensou. Pedimos a conta. Levantei e fui no mercado. Comprei mais comida. Comi um sanduíche e abasteci a mochila. Voltei pro albergue. Bateu cansaço. Foi um longo dia. Mas estava leve e feliz. Foi um dia muito importante pra mim. Afinal, o primeiro objetivo de ter vindo fazer o Caminho de Santiago, tinha sido alcançado. Deitei. Agradeci. Dormi.

Aprendizados: Perdoar deixa a alma mais leve. O perdão está dentro de nós. Pode demorar, mas a hora certa há de chegar.

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