Dia#00 | Caminho Francês

Dia: #00
Data: 06/09/2017
Distância: 1000km
Tempo de trajeto: 23h
Clima: Nublado
Temperatura: Mín: 18° / Máx: 21°
Saída: Lisboa
Chegada: Saint Jean Pied Port
Palavra do dia: Realização

Dia 6 de Setembro de 2017, foi o dia em que fiz o trajeto para Saint Jean Pied Port (onde eu iniciaria o meu caminho), que na verdade, começou às 21:00 do dia anterior (quando peguei o trem em Lisboa). Eu decidi chamar esse dia de “Dia#00”, pois quando você dá o primeiro passo em direção à Santiago, você já está iniciando o seu Caminho.

Expectativa: Lisboa – Biarritz – Bayonne – Saint Jean Pied Port.
Realidade: Lisboa – Legazpi – Irún – Hendaye – Biarritz – Bayonne – Saint Jean Pied Port.

Nem sempre as coisas saem como programado. Essa foi a primeira lição que aprendi no Caminho. Minha peregrinação começou na viagem de trem pra Biarritz. Sentei no meu lugar e me despedi do meu irmão e da minha cunhada pela janela. Eles tinham me levado até a estação.

O menino do meu lado no trem em Lisboa era brasileiro, do sul, militar, tava indo pra França se alistar no exército francês. Estava cheio de esperança. Fizemos todo esse trajeto junto. Ele viu q eu estava cansada e não conseguia dormir. Ofereceu em trocar de lugar comigo pra eu ficar na janela e poder encostar a cabeça no vidro para ver se eu conseguia dormir. Agradeci, mas falei que não precisava. Ele insistiu. Disse que eu tinha um longo Caminho pela frente e que eu precisava descansar para estar bem disposta no dia seguinte. Me convenceu. Aceitei sua gentileza e ainda me ofereceu um cobertor fofinho que ele tinha para fazer de travesseiro. Isso me salvou. Apaguei por seis horas seguidas. Deu pra descansar bem. Quando despertei, já estava amanhecendo.

Acordei com um barulho estranho. O trem havia enguiçado e ficou meia hora parado no meio do nada. De um lado da janela, mato e do outro, um grande vazio ocupava a paisagem. De repente, o trem voltou a andar e parou na estação seguinte. Trocamos de trem em Legazpi, já na França, com destino final em Irún!

Chegando em Irún, tinha um ônibus nos esperando para nos levar até Hendaye (onde inicialmente seria minha primeira parada para fazer a conexão para Biarritz). Lá fui eu pegar mais um transporte. Dessa vez, antes de embarcar, me despedi do meu mais recente amigo, pois nossos assentos eram em vagões diferentes e saltaríamos em destinos diferentes. Agradeci pela companhia e gentileza e lhe dei um abraço. Nesse momento, ele sem exitar, tirou seu bracelete da sorte que usava por muitos anos e colocou no meu pulso. A  pulseira parecia de couro e tinha uma rosa dos ventos apontando para o Norte. Disse que era para eu nunca me perder e sempre saber a direção para onde estou indo. Me arrepiei. Achei simbólico. Meus olhos se encheram de água. Naquele momento, me senti conectada com a magia do Caminho. Em uma viagem comum, acredito que essas coisas não aconteçam. Dizem que no Caminho de Santiago, sempre aparece alguém para te ajudar quando você mais precisa. Ele foi o primeiro “anjo” do meu Caminho. Agradeci e entrei no meu vagão.

Finalmente peguei o trem para Biarritz. Esse trem era lindo. Limpo, arrumado, moderno, cheiroso e tinha até tomada e wi-fii. Carreguei meu celular, avisei aos meus pais que o percurso estava sendo um pouco diferente do planejado, mas que estava tudo bem. Após algumas estações, saltei em Biarritz e perguntei como chegava até Bayonne. A mulher da ferroviária me disse que eu deveria ter continuado dentro do trem e saltado na próxima estação.

Tive que pegar mais dois ônibus até a estação de Bayonne pra poder pegar o trem para Saint Jean Pied Port. O que poderia ter levado 20 minutos, levou 2 horas. As linhas de ônibus da cidade, mudaram naquela semana e não tinha um trajeto direto ligando a estação de Biarritz até Bayonne. Tudo parecia estar dando “errado”, mas logo pensei que era uma prévia os imprevistos que aconteceriam ao longo do caminho e a vida é assim mesmo.

Fui para o ponto de ônibus e conheci dois peregrinos que estavam na mesma situação que eu. Nos apresentamos e fizemos esse trajeto juntos. Uma se chama “Sun” (Coreana) e o outro “Datlef” (Alemão). Demoramos tanto nesse trajejo que chegando na estação de Bayonne, perdemos o ônibus das 15:00 (por cinco minutos) e o próximo só saía às 18:00. Pensamos em pegar um taxi para chegar mais rápido e tentar garantir uma vaga em um albergue municipal em Saint Jean Pied Port, mas custava €100,00 e estava fora do nosso orçamento.

Então, decidimos comprar o bilhete de ônibus para às 18:00 mesmo e agendar uma noite em algum albergue privado para garantir um lugar para dormir. Precisávamos de um banho quente e uma boa noite de sono para recuperar a energia e iniciar nossa longa jornada no dia seguinte. O alemão não levou celular, pediu para eu agendar uma vaga para ele no albergue também. Demos sorte. Pegamos as duas últimas vagas do único albergue que ainda tinha cama disponível. Ao menos, teríamos um lugar para dormir essa noite. Fiquei aliviada.

Enquanto esperávamos nosso ônibus, decidimos comprar alguma coisa pra comer na cidade e solicitamos nossa Credencial do Peregrino na Catedral de Bayonne. Pagamos €2.00 por ela. Ganhamos nosso primeiro carimbo.

O ônibus finalmente chegou. Eu estava morta e doida para descansar. Sentei ao lado da Coreana e ela me deu uma dica valiosíssima, que me foi útil durante todo o Caminho. Falou para eu baixar no celular um aplicativo chamado “Camino Pilgrim – Frances”. Lá é possível encontrar todas as variáveis de rotas, vilarejos, albergues, número de camas disponíveis, telefones, distâncias entre um local e outro, mercado, restaurantes, tudo que um peregrino precisa para se nortear durante a peregrinação. E o melhor é que o aplicativo funciona off-line, então não é preciso ter acesso a internet para utilizá-lo. O que é ótimo, porque muitas pessoas preferem fazer o caminho desconectadas. Eu, por exemplo, só tinha acesso a internet em locais com wi-ffi. Durante o percurso diário, eu não tinha internet. Queria me conectar com o mundo real e não com o mundo virtual.

Chegando em Saint Jean Pied Port, fui no local de informações para peregrinos e fui atendida por uma mulher muito gentil e simpática. Mostrei meu passaporte, me cadastrei, ela deu mapas, me explicou as rotas do dia seguinte, me deu dicas, peguei minha concha (viera) que me acompanharia por todo o Caminho. Dei a ela o nome do meu albergue e perguntei onde ficava, ela me informou que ficava na mesma rua em que estávamos e que eu deveria dar somente mais alguns passos. Fiquei feliz, dei um sorriso, agradeci e parti.

Cheguei no albergue e já estava escuro. Fui a última a entrar. O hospitaleiro já estava fechando as portas. Cheguei um pouco esbaforida. Acho que o hospitaleiro percebeu. Pegou uma cadeira para eu sentar. Perguntou de onde eu era. Deu um sorriso largo quando disse que era brasileira. Falou para eu ficar calma que estava tudo bem. Minha cama estava separada. Era a última disponível. Fiquei aliviada. Fiz meu check-in. Ele me mostrou o quarto. Coloquei minhas coisas ao lado da minha abençoada cama. Tomei um banho. Coloquei uma roupa confortável e finalmente, deitei. O dia pareceu ter 48h. O percurso foi longo. A persistência foi grande. Desistir jamais. Finalmente cheguei. Estava exausta, porém feliz e agradecida por tudo ter dado certo no final. Santiago, aí vou eu…

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