Dia #02 | Caminho Francês

Dia#02
Distância: 41km
Tempo de caminhada: 10 horas
Clima: Sol
Temperatura: Mín: 17° / Máx: 30°
Saída: Rocenvalles
Chegada: Arres
Data: 08/09/2017
Palavra do dia: Superação

Resumo do dia: Acordei cedo. Eram 6:00. Me arrumei rápido. Não tomei café. Comi uma barra de cereal. E comecei a caminhar junto com Caroline. Ainda estava escuro. Não dava para enxergar muita coisa. Usamos uma pequena lanterna que ela tinha e a luz do meu celular. Nos primeiros metros de caminha, ela levou um tombo. Machucou o ombro. Estava sentindo bastante dor. Perguntei se ela queria voltar para buscar ajuda. Ela disse que não precisava. Continuaria assim mesmo e ao longo do dia iria ver se a dor passava. Seguimos adiante. Tava frio. MUITO frio. Caminhamos 3km. Encontramos uma cafeteria aberta. Eram 6:30. Paramos para tomar um café quente. Agora sim. Deu pra esquentar. Comprei baguete e queijo para comer ao longo do dia. Caminhamos mais 3.7km. Encontrei um novo rebanho pelo caminho, mas dessa vez, eram de cabras. Elas atravessaram a rua em volta de mim. Quase não acreditei. Encostei em uma delas! Pêlo era grosso e não macio como imaginava. Abri os braços de alegria. Elas saíram correndo. As assustei sem querer. Parei de me mover. Elas continuaram passando lentamente e eu continuei. A caminhada tava agradável hoje. Depois do Pirineus, tudo parece fácil. Paramos em outra cafeteria. Comi mais uma barra de cereal. Conheci um Esloveno (Gasper). Me lembrei do desenho quando eu era criança. Ele tinha um sorriso grande no rosto. Me perguntou da onde eu era. Respondi que era do Brasil. Ele respondeu em português. Falei que ainda não havia encontrado ninguém que falasse a minha Língua pelo Caminho e perguntei como um Esloveno sabe falar português. Me disse que namorou uma portuguesa. Sorri. Me despedi. Continuei a caminhada. Apareceu o sol. Veio a sede. Água. Muita água. Calor. Tirei um dos casacos. Caminhamos mais 4.7km. Achei uma fonte. Enchi a garrafa d’água. Caminhamos mais 10.4km. Muito calor. Tirei mais um casaco. Estava sentindo algo me incomodando no pé. Parei em uma cafeteria. Tirei o tênis. Bolha N#1. Cuidei da bolha. Conheci um Italiano chamado David. Muito simpático. Super sorridente. Ele perguntou o que houve com o meu pé. Falei que estava com uma bolha. Tinha esquecido de passar vaselina antes de colocar a meia. Trocamos algumas palavras. Ele me desejou boa sorte e depois partiu. Comi 2 sanduíches. Ainda estava cedo. Apenas 13:00. O dia estava bonito. Estava com disposição. Decidi andar mais. Caroline resolveu ficar nesse Vilarejo para ser atendida por um médico. Ela continuava com dor. Desejei melhoras. Nos despedimos. Comecei a caminhar sozinha de novo. A paisagem era seca. O verão castigou as plantações. Encontrei um alemão pelo caminho. Seu nome era Jonas. Caminhamos juntos. Lá se foram mais 5.3km. Chegamos em Larrasoaña. Era dia de festa na cidade. Feriado. Tudo fechado. Não tinha albergue disponível. Já havia andado 27.4km. O cansaço bateu. Pânico N#1! Não tinha opção. Decidi andar até o próximo albergue. Caminhei mais 3.6km até o próximo vilarejo. Estava tudo lotado. Não tinha vaga. Pânico N#2! Procurei no aplicativo do celular onde ficava o albergue mais próximo. O Alemão me emprestou seu telefone para que eu pudesse ligar. Ele não falava Espanhol. Ainda tinham 15 camas disponíveis. Sorri. Senti esperança. Não podia fazer reserva. A cama era de quem chegasse primeiro. Respirei fundo. Tive um ataque de riso. Não estava acreditando. Qual era minha única opção? Caminhar mais 3.6km. Quando não tem solução, solucionada está. Rezei. Pedi forças. Continuei caminhando. Nem sentia mais a bolha. A perna entrou no modo automático. A mochila já parecia um pedaço do meu corpo. Caminhei rápido. Avistei algumas pessoas. Apertei o passo. Queria ultrapassar quem estava na minha frente. Queria garantir uma cama. Me senti egoísta. Não queria competir com ninguém. Mas era uma questão de sobrevivência. Eu não havia levado saco de dormir. Não conseguiria dormir ao relento. Congelaria durante a madrugada. Segui em frente. Avistei o próximo vilarejo. Bateu esperança. O albergue ficava no topo de uma pequena montanha. Precisava subir. Não acreditava no que estava vendo. Dei os primeiros passos. Degrau após degrau. haviam 3 pessoas subindo na minha frente. Minha perna já não me obedecia mais. Fiquei sem ar. Achei que não ia conseguir. Faltava apenas alguns metros. Olhei pra cima. Criei forças. Subi mais alguns degraus e finalmente cheguei. O menino da frente pegou a última cama. Pânico N#3. Chorei. Minha perna estava bamba. Desabei no chão. Entrei em desespero. Pedi para dormir no chão, no sofá, em qualquer lugar. Disse que eu já havia caminhado 41km e que não conseguia mais andar. Só precisava de um teto por causa do frio da madrugada. O hospitaleiro falou que não era possível. Mas que ele ia me ajudar. Ele tirou a mochila das minhas costas. Pegou uma cadeira para eu sentar. Minha perna tremia. Me deram água. E chocolate. Agradeci, mas não estava com fome. Disseram que eu estava branca e me aconselharam a comer mesmo assim. Obedeci. Senti compaixão. Me acalmei. Melhorei. Apareceu uma freira e disse que ia me ajudar. Conseguiu uma cama pra mim no albergue do vilarejo seguinte. Agradeci imensamente. Mais um anjo do meu caminho. Descansei meia hora. E lá fui eu. Mais 3.6km e cheguei. Lugar incrível. Vilarejo maravilhoso. Tinha uma ponte linda. Se chamava Arre. Me senti em um filme épico. O albergue ficava dentro de uma construção medieval. Me apaixonei. Fiquei feliz por estar alí. Fiz o check-in. Dei um sorriso. Senti alívio. Gratidão. Finalmente consegui uma cama pra dormir. O corpo relaxou. A hospitaleira mostrou onde ficava minha cama. Era no sótão. Parecia uma caverna. Entrada de pedra. Lindo por fora. Simples por dentro. Somente o básico. Beliches e mais nada. Era o suficiente. Tomei um banho quente. Coloquei uma roupa limpa. Bateu fome. Fui dar uma volta pelo vilarejo. Minhas pernas não tinham muita força. Sentei em um bar. Eu e mais 6 sobreviventes que passaram pela mesma situação hoje. Pedimos um vinho. Brindamos. Comemoramos. Conseguimos! Tinha show na cidade. A música era boa. Era sexta-feira. Todo mundo na rua. Decidimos trocamos de bar. Fomos para um restaurante. Pedimos comida. Comi uma tortilha deliciosa. A fome é o melhor tempero. O alemão que caminhou comigo, começou a comer e se sentiu mal. Foi levantar e desmaiou. Caiu a pressão. Todo mundo em volta ajudou. Mais compaixão. Povo acolhedor. Chamaram um paramédico. Ficou tudo bem. Pagamos a conta. Voltamos pro albergue. O dia foi longo. O corpo tava cansado. Achei que nenhum dia seria mais difícil que o primeiro. Mas foi. Superação. Eu consegui. Caminhei “2 dias” em um. Deu tudo certo. Agradeci. Deitei. Dormi.

Aprendizados: Ter um teto é um bênção. Uma cama é preciosa. Um banho quente é restaurador. A compaixão é comovente. Companhia é bom em um momento de dificuldade.

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